A RITA TINHA RAZÃO

O ano era 1977. De todos os esfuziantes anos 70, talvez tenha sido o mais sem graça deles. Destaque, destaque mesmo, e mesmo assim negativo, […]

O ano era 1977. De todos os esfuziantes anos 70, talvez tenha sido o mais sem graça deles. Destaque, destaque mesmo, e mesmo assim negativo, só a morte de Elvis e Chaplin. Há quem diga até hoje que o rei do rock ainda anda por aí. Clarice Lispector e o ativista antiapartheid Steve Biko também partiram naquele ano. Todos eles nos deixaram com a sensação ruim de que ainda tinham muito para dar.

O rei Pelé parava de jogar profissionalmente, o cinema estreava a primeira aventura da série “Star Wars” sem ter a menor ideia do que isso iria virar, os Sex Pistols lançavam seu primeiro e único disco “Never mind the bollocks”. Ah, é claro: o mundo era invadido pela febre dos “Embalos de Sábado á Noite” com John Travolta fazendo todo mundo dançar ao som dos Bee Gees.

Eu mesmo andei dando minhas reboladas. As coisas que a gente não faz para ganhar uma mulher… E tinha também a Apple que apresentava o primeiro microcomputador moderno, o Apple II. Começava a pintar por aqui o macarrão instantâneo que ficou conhecido por Miojo e já quebrava o galho de muito estudante.

O São Paulo de Waldir Peres, Chicão e Mirandinha virava zebra e conquistava o seu primeiro título brasileiro encima do poderoso Atlético Mineiro de Reinaldo , Toninho Cerezzo e Angelo em pleno Mineirão. O Corinthians depois de um jejum histórico de 23 anos sem título era campeão paulista diante de uma valorosa Ponte Preta com gol histórico de Basílio em um Morumbi com mais de 120 mil torcedores. Tem aquela história do Rui Rei ter se vendido, mas isso fica pras rodinhas de bar. Na política…bom, deixa a política prá lá.

Meu assunto é outro.

Naquele ano, Rita Lee, a hoje vovó do rock nacional, mas ainda na ativa e ainda polêmica, lançava a música “Arrombou a festa II”. Era uma sátira escrachada ao momento atual da MPB da época, com Sidney Magal cantando Sandra Rosa Madalena, Lady Zu na onda discoteca e Sergio Malandro enchendo nossos ouvidos com “Bilú Tetéia” e “Farofa-fa”. Quem ouviu se lembra bem. Quem não ouviu, não perdeu nada.

Pois é, Rita… Ainda bem que você ainda está no pedaço para ver que o que parecia não poder piorar, piorou. E muito.

Se na época os grandes sucessos do rádio e do programa Silvio Santos eram criticados por sua excessiva ingenuidade e falta de conteúdo, a música brasileira de hoje quase que virou sinônimo de bebedeira, sexo pelo sexo e refrões popularescos. Conforme alguns críticos e produtores musicais: é música “prá fazer neném”. Fazem a alegria de rodeios , puteiros e bailões.

O Brasil já teve vários modismos musicais dada a sua maravilhosa afinidade com os ritmos das mais variadas tendências. Merengue, disco, lambada, brega e pagode tiveram sua época onde nada mais parecia existir. Mas passaram. A pedra da vez é o tal de sertanejo universitário que, para muita gente, ainda está no ensino fundamental tal é a mesmice das letras e arranjos. Elas falam de sexo, cama, paixão, balada, sexo, coração, sofrer, sexo, beber, chorar e por último, sexo. Nada contra, é claro. Sexo é primordial em uma relação saudável, renova os sentimentos e até a pele. Sem falar no ego e na alma. Aprofunda as sensações entre seres que se amam ou que simplesmente se atraem. Não vamos discutir aqui aquela história se sexo tem que ter amor ou não. Fica a critério de cada um. Sexo bem feito é muito bom e fim de papo. Não vem ao caso em que nível isso acontece.

Beber? Quem não gosta de uma cervejinha gelada, um vinho ou uma branquinha de vez em quando. Até eu que sou mais bobo.

Mas as letras induzem não a um relacionamento progressivo, onde cada fase tem seus encantos, segredos, e conquistas mas sim a algo superficial e sem conteúdo. Tipo assim: “foi bom prá você também? Legal… a propósito, qual é mesmo o seu nome?” Você não precisa nem saber o nome do cara ou da gatinha e pode já estar na cama com ela. Aliás, no funk as mulheres agora são chamadas até de cachorras. E a maioria gosta…

Aí alguém pode dizer que o importante é chegar logo no tchu e no tchá. Então tá. Só lembro a essa galera que existe uma grande diferença entre fazer amor e transar. Os animais transam, nós fazemos amor. Ou deveríamos fazer. E quem não sabe a diferença não sabe o que está perdendo.

Que não pensem que não gosto de música sertaneja. Não é minha preferida, mas não tem como não gostar de Paula Fernandes (ela diz que não é só sertaneja), Victor & Léo, Daniel e mais um ou outro. Sem falar na verdadeira música sertaneja, aquela que fala do pôr do sol no sertão, do cheiro da mata e do canto dos pássaros no amanhecer. Mas a enorme maioria “comete” as mesmas canções começando na balada, passando pela cerveja e terminando com a fila anda. Tudo embalado por lê, lê, lê e outras baboseiras mais. Ouviu uma? Ouviu todas!

Falo de conteúdo, de músicas que o tempo não apaga. De canções que quando você ouve outra vez parecem que fazem o tempo parar e as sensações voltarem. A música é o sentimento da alma, dizia Bach. E o cara sabia do que estava falando. Como não fechar os olhos e sonhar ouvindo “Detalhes” e “Os botões da blusa” do Roberto, “Deslizes” e “Coração Alado” de Fagner, “Flor de Lis” e “Oceano” de Djavan?

Quer sentir o poder da música? Ouça “A tempestade” de Tchaikowski ou a 5ª Sinfonia de Beethoven. Música clássica? É sim, mas ouça com atenção e depois diga se não se sentiu diferente. O que vale é ter “ouvido” para a música e não “zoreia”.

Tem prá todo mundo: “Fly me to the moon” e “My way” de Sinatra. “Crazy” e “All of you” de Julio Iglesias. No rock, experimente “Stairway to heaven” e “Black Dog” do Led Zeppelin, “With or without you” e “Vertigo” do U2 , “Us and them” e “Money” do Pink Floyd , “It’s only rock and roll” e “Angie” dos Stones e por aí vai.

A lista é interminável: Belchior, Zizi Possi , Maria Rita , Alcione , Jobim , Engenheiros do Havaí , Legião , Rita Lee , Beatles , Bob Dylan , Tony Bennett , Luis Miguel , Martinho da Vila , Ivan Lins , Tim Maia, Almir Satter , Rush , Eduardo Dusek , Capital Inicial , Elis, Raul Seixas, Tonico & Tinoco, ufa…

Todos eles e mais um monte de gente deixaram sua marca na história da música e o tempo não passa para esses talentos. São e continuarão a ser referências de qualidade musical.

Música é arte. E um dos versos do manifesto do Afro Reggae diz: “Salve a arte que nos salva”. A boa música nos faz seres humanos melhores. Não é o que se ouve nos celulares por aí. O funk começou como música de protesto, algo próximo do rock, mas sem o mesmo impacto. Hoje, as letras são pornográficas e violentas. Trilha sonora da tragédia urbana. Uma pena.

Uma de minhas filhas tem 22 anos e quando era criança ouvia Xuxa e a Turma do Balão Mágico. As crianças de hoje repetem refrões cheios de duplos sentidos enquanto rebolam em poses sensuais.

Léo Santana, do grupo de axé Parangolé –aquele do rebolation – disse em entrevista á revista Trip que “o negócio é fazer música para mulher rebolar. É sucesso garantido. Quem quiser ouvir poesia, que vá ouvir Caetano”.

Pois é, Rita … Pode repetir com força seu refrão: “Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu com a MPB?”

 

 

 

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