Ao longo da evolução o som tem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento dos organismos vivos. O som faz parte da criação, estamos imersos nos sons da natureza: vento, rumor do mar, trovões, ruídos da chuva. As diversas formas vida emitem seus sons, enriquecendo a sinfonia da natureza. O canto dos pássaros, por exemplo, tem servido de inspiração para músicos e poetas através dos tempos.
No ambiente uterino o feto já é capaz de escutar sons a partir da 10ª semana de gestação. Os primeiros sons que ouvimos é o batimento cardíaco de nossa mãe, som ritmado que já nos faz nascer com a noção de ritmo. Não é por acaso que os primeiros instrumentos musicais inventados pela humanidade tenham sido os de percussão, e que até hoje esses instrumentos são utilizados para nos levar a um estado de transe regressivo, ou seja, uma regressão ao útero materno, aos primórdios da existência.
As primeiras verbalizações da criança, os “gu-gu da-dá”, cheias de ritmo, tempo, dinâmicas e interações em forma de brincadeiras, como bater palmas, são a base para o desenvolvimento da criança como ser social. Isso levou o neurocientista, Daniel Levitin, a levantar a hipótese de que a música teve um papel fundamental não só na organização da sociedade humana quanto no desenvolvimento do cérebro humano. No seu livro “This is your Brain in Music” (Esse é seu cérebro musical) – ainda não disponível em português, ele descreve a relação entre os diferentes componentes da música, tais como timbre, ritmo, harmonia, melodia, com a neuroanatomia, psicologia cognitiva, neuroquímica e evolução.
Ele afirma, inclusive, que a música é mais capaz que a linguagem para evocar sentimentos e emoções apontando para a capacidade que a música tem de ultrapassar os filtros criados pela linguagem. Em seu outro livro, “The World in Six Song: How the Musical Brain Create the Human Nature” (O Mundo em Seis Canções: Como o Cérebro Musical Criou a Natureza Humana) ele levanta a polêmica e não menos engenhosa idéia de que a música é um elemento crucial na identidade humana; que a música abriu o caminho para a construção da linguagem e criou condições para o desenvolvimento de projetos cooperativos.
Polêmicas à parte, é certo que a música é um fenômeno central na vida humana em todos os tempos e exerce uma poderosa influência sobre nossas funções vitais tanto físicas quanto emocionais. Há inúmeros estudos que demonstram esse fato, inclusive um estudo com bebês prematuros mantidos em incubadoras que apresentam melhora em seu estado de saúde geral (sinais vitais) ao serem expostos a uma audição de harpa. Esses estudos demonstram que a música tem a propriedade de afetar o nosso sistema nervoso de forma natural e espontânea, ativando determinadas funções vitais de acordo com suas características, inclusive atuando sobre os núcleos do Sistema Límbico (Cérebro Emocional) afetando nossas emoções.
A partir desse entendimento tem se desenvolvido uma nova disciplina chamada “Semântica Musical”, a qual pretende compreender as complexas inter-relações entre as combinações de sons e seus efeitos sobre a psique, em outras palavras, compreender a experiência musical humana. A música constitui-se de uma sintaxe de notas musicais ordenadas em determinasida disposição. É assim que a música se expressa chegando ao nosso sentido auditivo possibilitando um sentimento estético. A sintaxe é a ordem presente na música, o encadeamento de sons que se unem harmoniosa e melodicamente. A música é a arte de combinar sons de maneira agradável ao ouvido através da sensibilidade.
Em vista destas descobertas, outros estudiosos levantaram hipótese sobre a influência dos diferentes estilos musicais sobre nossas funções mentais. É sabido que certos tipos de música são capazes de desencadear sentimentos e emoções diversas, como vitalidade, pode, tranqüilidade, medo, alegria, tristeza, raiva, compaixão, amor, ódio, etc. Dependendo da forma como se combina os diferentes elementos musicais – ritmo, harmonia, melodia, tom, volume – podemos obter diferentes efeitos sobre nossa psique. Os diretores de cinema sabem muito bem disso e utilizam a música como elemento fundamental para dar o clima emocional de suas produções. Quem não sente medo, por exemplo, ao ouvir a trilha sonora de “Psicose” de Alfred Hitchcock ou um certo grau de pânico diante da música do filme “Tubarão”. Já outras músicas nos trazem a sensação de enlevo, paz e felicidade, tais como as trilhas sonoras dos desenhos animados de Walt Disney.
Uma das mais famosas tentativas de atribuir poderes especiais à música está a criação do chamado “Efeito Mozart”, que criou grande polêmica no final da década de 90 e continua até hoje criando adeptos e contestadores. O Efeito Mozart foi o termo cunhado por Alfred Tomatis, do Centro de Neuropsicologia da Univercidade da Califórnia, que realizou um estudo demonstrando que a audição de músicas de Mozart era capaz de acelerar o desenvolvimento cerebral de crianças com menos de três anos.
Outro estudo revelou que um grupo de estudantes do Departamento de Psicologia que ouviu a dez minutos da “Sonata para Dois Pianos em Ré Maior” de Mozart (K448) comparado ao o grupo que não ouviu, conseguiu notas mais altas em 9 a 10 pontos da tabela de QI. Esses estudos alimentaram a também polêmica iniciativa do governador do Estado da Geórgia, Zen Miller, que distribui um CD com músicas de Mozart a cada recém nascido. Posteriormente um outro autor, Don Campbell, publicou um livro intitulado “O Efeito Mozart”, que se tornou best seller (edição brasileira esgotada atualmente), afirmando não apenas as propriedades curativas da música de Mozart com de outros compositores.
Esse livro, popularizou ao conceito do Efeito Mozart, mas criou grandes resistências à pesquisa do tema no meio científico, pelo fato de as propriedades propaladas por Campbell não terem maior embasamento científico; Como consequência o assunto caiu no ostracismo científico até recentemente quando o neurobiólogo norte-americano, Gordon Shaw e seus colaboradores usaram aparelhos de ressonância magnética para mapear as áreas do cérebro que são ativadas pela música – ressonância magnética funcional. Perceberam através desse estudo que Percebeu-se então que, além do córtex auditivo, onde o cérebro processa os sons, a música também ativa partes associadas com a emoção e, com a música de Mozart, o cérebro todo se “acende”.
Independentemente das divergências científicas sobre o assunto, o efeito que a música causa em nosso estado emocional é um fato inegável, que faz parte da experiência empírica de todos nós. O que ainda não está definitivamente claro, é como se pode utilizar as propriedades da música de forma científica, seja para promover a saúde física e mental quanto como fator coadjuvante no tratamento de doenças físicas e mentais. Muitos estudos vem sendo conduzidos sobre esse tema e, em breve, teremos desdobramentos interessantes que irão jogar mais luz sobre esse tema tão interessante quanto polêmico. Isso não impede que uma outra disciplina não-médica, uma técnica de terapia complementar chamada Musicoterapia, vinculada à Arteterapia, continue se desenvolvendo e sendo aplicada em muitos ambientes com resultados muitas vezes animadores.
Musicoterapia, segundo definição da UBAM – União Brasileira de Associações de Musicoterapia, é a utilização da música e de seus elementos constituintes, ritmo, melodia e harmonia, por um musicoterapeuta, com um cliente ou grupo, em um processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender as necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia busca desenvolver potenciais ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma melhor qualidade de vida, através de prevenção, reabilitação ou tratamento. Algumas universidades brasileiras já oferecem cursos de Bacharelado em Musicoterapia.
Outra disciplina que vem apresentando desenvolvimento crescente, e que também se vale da música associada ao movimento, com objetivos semelhantes, é a Biodança, um sistema criado pelo antropólogo e psicólogo Chileno Rolando Toro. A Biodança é ensinada no mundo todo em Escolas de Formação de Facilitadores sob a estrita supervisão da Fundação Biocêntrica Internacional, fundada por Rolando Toro.
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