A diferenciação existente na fundamentação da doutrina, a primeira parte baseando-se em princípios da experiência e a segunda baseando-se em princípios a priori. Para Kant, o conhecimento pressupõe a sensibilidade e o entendimento. A sensibilidade dá o conteúdo que é submetido às categorias do entendimento. O conceito Puro que tem origem só no entendimento sem a participação das intuições é chamado noção. Quando esta noção se torna transcendente, ultrapassando toda a possibilidade de experiência, tem-se a idéia ou conceito de razão. A idéia é portanto criada pela faculdade da razão, como o conceito é produto do entendimento aliado à sensibilidade.
A razão no sentido prático é o conceito fundamental do sistema moral Kantiano. A razão prática é aquela que não se preocupa em traduzir as leis dos fenômenos da natureza, mas em representar as leis segundo as quais o ser racional, dotado de liberdade deve agir. No dizer de um autor: “…a razão prática é a faculdade que temos de agir por princípios ou máximas, as quais somente tornam possível uma ação entendida como um acontecimento que tem origem na vontade. Dizer que o homem tem vontade é dizer que ele pode representar-se uma lei e agir de acordo com ela. Essa faculdade de determinar-se na ação segundo a representação de certas leis, ou seja, segundo máximas é a que Kant chama razão prática ou vontade. A razão teórica detecta as leis segundo as quais os objetos da natureza se relacionam. A razão prática ou vontade representa, a si, leis, segundo as quais o ser racional deve agir.” Neste sentido, avança-se à dicotomia entre o ser e o dever ser, já abordada pelos gregos, nascida do método Kantiano que divide o mundo em sensível e intelegível. No âmbito do conhecimento, a sensibilidade e o entendimento é o que tornam possível a síntese (juízos sintéticos), enquanto no mundo intelegível não podem oferecer qualquer contribuição, pois este pertence à esfera dos fins. No âmbito do dever ser a razão é a faculdade criadora e não apenas reguladora. Mas, o dever ser exige uma causa originária que lhe dê fundamento: a liberdade.
A necessidade da metafísica dos costumes
As leis morais se diferenciam de tudo que seja produto da experiência, ou seja, de tudo que seja empírico. Neste sentido, a filosofia moral assenta totalmente na sua parte pura, não recebendo nada do conhecimento do homem, mas, ao contrário, fornecendo a este, como ser racional, leis a priori.
Em decorrência disto, a metafísica dos costumes torna-se essencial. Sua importância reside no fato de não apenas ela permitir investigar a origem dos princípios práticos que residem aprioristicamente na razão, mas também devido ao fato dos costumes poderem se perverter, quando falta um elemento que o conduza para a moral, pois o moralmente bom deve cumprir-se por amor da lei moral. Caso contrário, sua conformidade não terá consistência, tornando-se contingente e incerta.
É importante reforçar a idéia de que a lei moral só pode ser buscada na filosofia pura, a qual consiste na metafísica. Sem esta não pode haver filosofia moral.
Neste sentido, tem-se que a mistura dos princípios puros com os empíricos não é filosofia, na medida em que esta diferencia-se do conhecimento racional comum pelo fato de expor em ciência à parte o que este conhecimento mistura. Também não é filosofia moral, na medida em que a mistura dos princípios termina por prejudicar a pureza dos costumes, atuando contra o seu próprio objetivo.
A faculdade de conhecer
Analisando a faculdade de conhecer, Kant, distingue duas formas de conhecimento: o Empírico ou a posteriori, e o Puro ou a priori. O conhecimento empírico refere-se aos dados fornecidos pelas experiências sensíveis.
Ex.: “A janela está aberta”. Tal proposição vincula-se a dados captados pelos sentidos.
O conhecimento puro, pelo contrário, não depende de qualquer experiência sensível.
Ex.: “A linha reta é a distância mais curta entre dois pontos”. Não há necessidade de constatar esse fato através de uma experimentação, pois ele já se encontra no próprio pensar puro.
O termo “Metafísica” tem um conceito muito preciso na obra de Kant que, dentro da sua concepção filosófica, define tal termo como um conhecimento não-empírico ou racional. Esse pensamento kantiano combinado ao conceito de costumes que designa todo o conjunto de leis (em sentido amplo) ou regras de conduta que normatizam a ação humana, Kant chega a sua grandiosa Metafísica dos Costumes que ele define como o estudo de leis que regulam a conduta humana sob um ponto de vista essencialmente racional (não contaminado pela empiria).
No prefácio à Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant faz uma distinção entre a sua Metafísica dos Costumes e a Filosofia Prática Universal, na concepção de Wolff, sendo esta considerada como o querer em geral com todas as ações e condições que lhe cabem nesta acepção geral, isto é, considerando tanto parte empírica quanto racional. Assim como a lógica geral. Enquanto a Metafísica dos Costumes deve investigar a idéia e os princípios duma possível vontade pura, e não as ações e condições do querer humano em geral. Assim como uma Filosofia Transcendental que expõe somente as operações e regras especiais do pensar puro, ou seja, daquele pensar pelo qual os objetos são conhecidos totalmente a priori. Esse é o principal ponto de distinção, pois a Filosofia Prática Universal não considerou nenhuma vontade que fosse determinada completamente por princípios a priori e sem quaisquer móbiles empíricos e a que se poderia chamar uma vontade pura.
Na verdade, a concepção de Kant foi parte especial neste movimento para purificar a filosofia, reivindicando que a Metafísica “não é senão o inventário de tudo que possuímos através da razão pura (puros conceitos formulados pelo pensamento puro ou pelo intelecto)”.
O objetivo de Kant com a Fundamentação da Metafísica dos Costumes é buscar um princípio de moralidade (origina-se na vontade moral pura, isto é, no próprio sujeito da ação) que fundamente os costumes, o agir moral. As leis morais orientam esse agir humano. Sendo o ponto de partida a boa vontade: a única coisa em si mesma. As qualidades morais que predicam as coisas não se encontram nas coisas mesmas. Dizemos que algo é bom ou mau, porém as coisas não são nem boas nem más em si mesmas. O homem é o único ser do qual se pode predicar a bondade ou a maldade, pois é ele que, ao mesmo tempo, em que realiza uma ação, almeja com isto alcançar uma finalidade. A predicação moral tem relação com a finalidade da ação humana, com aquilo que deseja e se tente realizar. Assim, temos a conclusão de que a única coisa que pode ser boa ou má é a vontade humana.
A Fundamentação da Metafísica dos Costumes pode ser considerada como uma propedêutica para a crítica da razão pura prática, é um estudo essencial prévio para a compreensão de uma célebre obra de Kant: “A Crítica da Razão Prática”.
Conclusão
A obra em análise objetiva fixar um princípio supremo da moralidade. Embora fosse trazer grande júbilo ao autor, Kant recusa-se a buscar aplicações práticas do princípio, pois a exatidão de uma afirmação não pode ser provada pela facilidade de aplicação ou pela sua aparente suficiência. Ao contrário, o regozijo pelos resultados alcançados, ainda que parciais, pode levar o filósofo à parcialidade, com o abandono da postura crítica em relação ao princípio.
O método empregado abrange dois passos. Primeiro, analiticamente, ir do conhecimento vulgar ao princípio supremo desta espécie de conhecimento. Segundo, sinteticamente, em sentido inverso, caminhar deste princípio e de suas fontes para a crítica da razão pura prática .
A obra, por conseguinte, compõe-se de três partes:
primeira seção: passagem do conhecimento vulgar para o filosófico;
segunda seção: saída da filosofia moral popular para a Metafísica dos Costumes;
terceira seção: por fim, o último passo, da Metafísica dos Costumes para a Crítica da Razão Pura Prática.
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