A TV ANTIEDUCATIVA

por Valdemar Setzer  Introdução As forças que estão por trás da tecnologia são infinitamente inteligentes, mas não tem um pingo de bom senso. Com isso, […]

por Valdemar Setzer

 Introdução

As forças que estão por trás da tecnologia são infinitamente inteligentes, mas não tem um pingo de bom senso. Com isso, sempre exageram, e pessoas que antes não percebiam os problemas que ela produz passam a notá-los. Esse é o caso da TV. Nas décadas de 1960 e 70, quando meus filhos eram crianças ou adolescentes, eu e minha esposa éramos considerados “bichos papões”, devido à nossa posição contra esse aparelho, principalmente quanto ao mal que ele causa em crianças e adolescentes. Por isso, nem o tínhamos em casa, eliminando assim pela raiz o que considerávamos um mal infinitamente maior do que qualquer bem que pudesse trazer para nossos 4 filhos. Quando nossos filhos iam visitar amiguinhos, ficávamos angustiados com a perspectiva de que fossem ficar bestificados algum tempo na frente da TV. Mas ficávamos quietos, pois sabíamos que não seríamos compreendidos. Hoje em dia, os mencionados exagero e falta de bom senso levou a TV a tal nível de grosseria e de baixaria, que muitas pessoas começam a reconhecer o mal que ela faz em crianças e adolescentes. Este artigo tem a intenção de mostrar esse mal. Aos pais e professores que desconfiam ou já tem uma certeza intuitiva do mal que ele faz, espero dar argumentos para que consolidem sua opinião, e ajam contra ele com a segurança de que estão no caminho correto. Quero também incentivá-los a ter coragem e a posicionar-se contra ele, em seus lares, com seus alunos e os respectivos pais, e mesmo publicamente.

Em 2003, uma notícia da NationMaster afirmava que havia 1,4 bilhão de aparelhos de TV instalados no mundo. Contando em geral vários telespectadores para cada um, pode-se inferir que pelo menos metade da humanidade tem acesso à TV, ou melhor, assiste-a diariamente. Praticamente 100% dos lares em países industrializados, e também em muitos em desenvolvimento como o Brasil, tem pelo menos um aparelho. Por outro lado, é cada vez mais frequente a existência de mais de um aparelho por lar – quando os pais compram um novo modelo, o velho em geral vai para o quarto das crianças.

A extensão do uso da TV, ultrapassando de muito outros meios eletrônicos, como vídeo games, computadores e Internet, é uma das causas principais de eu dedicar um artigo abordando somente os problemas que ela causa.

Já há uma vastíssima literatura sobre os efeitos negativos da TV sobre crianças e adolescentes. Uma parte dela será mencionada principalmente no capítulo 5, tendo sido em parte extraída, resumidamente, do meu artigo que trata dos efeitos negativos em crianças e adolescentes de todos os meios eletrônicos, isto é, TV, vídeo games, computador e Internet (Setzer 2008a). Esse artigo contém uma grande quantidade de referências bibliográficas, inclusive com mais detalhes, como dados estatísticos e número das páginas das referências.

Minha intenção foi escrever um artigo. Mas tive tanta coisa para relatar, que este texto acabou ficando com a extensão de um livreto.

Todas as citações de originais em línguas estrangeiras são de minha tradução.

2. O aparelho de TV

Nos aparelhos analógicos com tubo de raios catódicos (CRT) tradicionais, a imagem é feita por meio da varredura de um feixe de elétrons, que é arrancado de um filamento incandescente, no qual se estabelece uma grande diferença de potencial (25.000 V na TV colorida) para com a tela metalizada. Assim, os elétrons são arrancados do filamento (catodo), e batem na tela. Uma camada de fósforo faz com que o ponto em que o feixe bate na tela emita luz por alguns instantes. O feixe é movido formando linhas (525 no padrão adotado no Brasil; nem todas aparecem na tela). Esse movimento, chamado de ‘varredura’, produz primeiro as linhas ímpares, depois as pares, para evitar um pouco o efeito do piscar. Cada um desses conjuntos é exibido na tela 60 vezes por segundo, de modo que a imagem completa é formada 30 vezes por segundo. Na verdade, a imagem jamais está na tela por inteiro; é a retina do olho, ao reter a imagem por 1/10 de segundo, que produz a sensação de que há uma imagem completa. Pode-se perceber o piscar da tela olhando-a bem com o canto do olho. Ao contrário, o cinema exibe imagens completas, na razão de 24 quadros por segundo. Em ambos os casos, há a produção de uma ilusão de movimento, quando algo se move no campo da tela.

A imagem da TV analógica é extremamente grosseira; no sistema NTSC (e que vale para o PAL-M do Brasil) cada linha exibe cerca de 640 pontos, havendo 480 linhas efetivas. Considerando-se que na TV colorida gastam-se 3 pontos (em RGB, isto é, red, green, blue, isto é, cada um com uma das cores vermelho, verde e azul) para cada ponto colorido, o resultado é de cerca de 100.000 pontos coloridos exibidos, o que é muito pouco. De fato, se uma pessoa é transmitida por inteiro, não se percebe a expressão de seu rosto; olhos e boca parecem manchas. Se uma árvore é transmitia por inteiro, não se distinguem as folhas (compare-se com a enorme acuidade visual do olho humano e seu sistema óptico).

No caso da TV digital com tela de LCD, de plasma ou com LEDs, são transmitidos os dados dos pixels (pontos da tela), e a partir deles a imagem é formada. A resolução é muito melhor (pelo menos 2 vezes) do que a analógica: há sistemas de HDTV (High-definition television) com 1280×720 pixels (pontos) e 1920×1080 pixels. Como são exibidos muito mais pontos, tem-se uma acuidade muito melhor, mas ainda bem menor do que no cinema de 35 mm, e ainda muito longe da precisão da vista humana. De um quadro para outro, apenas os pixels que mudam são transmitidos, a fim de se aproveitar melhor a capacidade limitada de transmissão de dados (quando existe uma pequena falha na transmissão, em geral apenas os pixels que mudam aparecem distorcidos). Aparentemente, a imagem da tela é refeita praticamente na mesma velocidade do que a TV com tubo de raios catódicos, o que provavelmente mantém o mesmo efeito hipnótico do piscar da imagem.

É interessante notar que, se um telespectador aproxima-se da tela, ele não vê a imagem mais nítida, pois começa a ver os pontos. Isso contraria a experiência que temos com a visão de objetos no mundo real.

Observando-se as imagens transmitidas, nota-se que elas mudam constantemente. Medi em programas normais o número de mudanças de imagem, incluindo efeitos zoom, mudança do fundo, mudança de lado, etc. Obtive uma média de 20 mudanças por minuto. Já em um video clip, obtive 60 mudanças por minuto, uma verdadeira transmissão psiquedélica. Quanto ao som, nota-se que muitas vezes o locutor não fala normalmente, ele grita. Além disso, o som é bem distorcido – compare-se com uma transmissão de rádio FM para se notar isso.

A transmissão de um canal é obviamente a mesma para uma quantidade enorme de telespectadores, como não poderia deixar de ser para um veículo de comunicação de massa.

Observando-se os programas, nota-se claramente que praticamente todos os eles apelam para emoções fortes. Quase não há programas calmos, apelando para a reflexão e para sentimentos tranquilos, sutis. Além da movimentação das imagens e a gritaria normal, percebe-se que os programas são agitados, com muitas cores. Neil Postman (1987) chama a atenção para o fato de a TV transmitir geralmente tudo sob a forma de show. Ele tem capítulos mostrando que a educação, a política (eleições) e a religião viraram shows. A quantidade de violência que é transmitida é enorme; no capítulo 4 serão apresentados dados concretos sobre levantamentos do número de atos violentos transmitidos. Nesse mesmo capítulo, exponho minha teoria explicando porquê os programas são da maneira que são.

3. O telespectador

Uma observação fenomenológica do telespectador revela o seguinte. Ele está fisicamente estático (a menos de casos muito excepcionais, como programas de ginástica). O ambiente é mantido em penumbra, isto é, com pouca luz. Dos seus órgãos de sentidos, apenas a visão e a audição estão sendo incentivados, e de maneira extremamente parcial: a tela encontra-se parada, portanto a distância é sempre a mesma, não exigindo acomodação de profundidade (variação do cristalino e convergência dos eixos dos olhos). A luminosidade varia muito pouco, de modo que a pupila também quase não muda de abertura.

Normalmente, os olhos não param de se mover, tateando o objeto sendo observado. A figura ao lado foi copiada do livro de Patzlaf (2000, p. 18). Ela mostra, à direita, o movimento de um olho de uma pessoa vendo a foto à esquerda durante alguns minutos; cada traço mostra um movimento do olho. Note-se como a imagem é “tateada”, com maior frequência nos olhos, na boca e na risca do cabelo, que realmente chama a atenção.

Em uma pessoa vendo TV os olhos praticamente ficam parados, como se a pessoa estivesse em um estado de desatenção. No caso das telas grandes, esse efeito é diminuído, pois o olho deve mover-se pelos vários trechos da tela. Aliás, essa é uma diferença fundamental da TV para o cinema, pois nesse a tela grande exige que o olho, e até mesmo a cabeça, movimentem-se, o que ajuda a diminuir o estado de sonolência descrito a seguir.

Como o telespectador está fisicamente estático, não faz ação física nenhuma. Antigamente, era necessário levantar-se para mudar de canal; agora, com os controles remotos, nem mesmo esse pequeno esforço é exigido. Não há também necessidade de se fazer um esforço mental para prestar atenção. De fato, o pensamento consciente está praticamente abafado. Esse é um ponto absolutamente crucial do efeito do aparelho de TV sobre o telespectador, e por isso vou alongar-me sobre ele.

Estudos neurofisiológicos mostraram que, poucos minutos, à vezes somente ½ minuto, de assistir TV já colocam normalmente as ondas cerebrais, como medidas por eletroencefalograma, em um estado semelhante ao de sonolência (isto é, de desatenção) ou semi-hipnótico (Krugman 1971, Emery e Emery 1976, Kubey e Csikszentmihalyi 1990). Normalmente, no telespectador existe predominância de ondas teta, lentas, do EEG, de 4 a 7 Hz. Uma pessoa no escuro, ou com olhos fechados, apresenta a mesma predominância de ondas lentas. Em estado de alerta, passam a predominar as ondas beta de 12 a 30 Hz. Essa predominância das ondas lentas cerebrais indica estado de desatenção, de sonolência.

O estado de sonolência e a inatividade mental são tão acentuados, que o gasto de energia de uma pessoa vendo TV é menor do que uma pessoa deitada sem dormir, como foi constatado por Klesges, Shelton e Klesges (1993).

Basta olhar para um telespectador e ver-se-á que a expressão de seu rosto não é de alguém que está prestando atenção ao que está observando. Ao contrário, a expressão é de olhar amortecido (olhar de “peixe morto”), faces e boca em geral também sem demonstrar praticamente nada, enfim, tem-se a impressão de “cara de bobo”. Isso é mais nítido em crianças, que tem um rosto mais maleável do que o adulto. Enfim, certamente não é a expressão de alguém observando atentamente o que se passa ao seu redor ou em reflexão profunda.

Pode-se fazer uma experiência muito simples para constatar que o telespectador normalmente não está absorvendo o que está sendo transmitido. Basta perguntar a uma pessoa que acabou de assistir um noticiário quais notícias ela lembra, obviamente sem contar antes que ela será sujeita a esse teste. Emery e Emery (1976) relatam que, em San Francisco, uma enquete feita por telefone mostrou que mais da metade das pessoas não se lembrava de nenhuma notícia sequer! O prof. Anderson Paulino, da Baixada Fluminense, hoje diretor de escola pública nessa região, testou esse fato em uma de suas palestras: de 15 manchetes de um noticiário que ele projetou numa TV a partir de uma gravação, nenhuma pessoa conseguiu lembrar de 3, e apenas algumas lembraram de 2 – por sinal, as 2 notícias mais violentas (comunicação pessoal).

Como se pode entender que o telespectador esteja normalmente nesse estado de semiconsciência, sem pensar ativamente e sem gravar em seu consciente aquilo que viu e ouviu? Há várias explicações para isso; vou iniciar pela minha. Para isso, vou comparar ver TV com leitura. Quando se lê um romance ou um relato, é necessário imaginar os personagens sendo descritos e o ambiente em que se passa a narrativa. Quando se lê um texto filosófico ou científico, é necessário associar conceitos. Em ambos os casos, o pensamento está muito ativo, e a pessoa mantém-se em estado de consciência de atenção e de introspecção ativa – note-se que, ao ler um parágrafo sem prestar atenção, ao chegar-se ao seu fim em geral percebe-se esse fato e é necessário repetir sua leitura, agora prestando atenção ao conteúdo. Por outro lado, qualquer programa de TV apresenta em geral uma sequência relativamente rápida de imagens, como vimos no capítulo 2. Com isso, o telespectador não consegue criar nenhuma imagem própria em sua mente. Ele tem que ‘desligar’ essa capacidade mental – a não ser que deixe de olhar para a tela. Por outro lado, ele apenas associa inconscientemente conceitos às imagens sendo transmitidas, pois o pensamento consciente é muito lento, e se fosse refletir sobre cada imagem transmitida, teria que deixar de prestar atenção às seguintes (ou fechar os olhos). Por exemplo, ao aparecer a imagem de uma pessoa conhecida, ele a reconhece, mas num processo automático, e não produzido por um esforço interior de associação de percepções a conceitos. Se ele faz um esforço para pensar conscientemente enquanto olha para a tela, como associar conceitos, devido à lentidão do pensamento consciente deixa de prestar atenção a ela, perdendo então o que é transmitido após a imagem ou a fala sobre os quais resolveu pensar. Qualquer pessoa pode fazer a experiência de prestar toda atenção às imagens e falas que são transmitidas, pensando em cada uma delas; ela verá que em pouquíssimo tempo fica mentalmente exausta, e pode perceber como a tendência é de ‘desligar’ o pensamento. Assim, o pensamento de um telespectador deixa normalmente de ser consciente, passando a ser automático, de simples reconhecimento dos personagens e dos locais, ou absorvendo as imagens e as falas sem quase refletir sobre elas.

Jane Healey (1990) dá uma explicação para o estado de sonolência usando a excitação dos neurônios relacionados com a consciência. Essa excitação é tão intensa, devido à sucessão rápida das imagens da tela da TV, que eles quase que ‘desligam’, pois não podem ser ativados na frequência dos impulsos gerados pelo que está sendo visto.

Existe também uma explicação evolucionista (há alguma dessas explicações para qualquer fenômeno nos seres vivos…). Houve uma época em que os seres humanos vagavam pelas florestas e campinas, e o perigo era sempre constante. Era necessário prestar atenção a qualquer mudança no ambiente, pois ela poderia representar algum perigo. Cada mudança de imagem na TV iria então produzir uma atenção, mas a sua sucessão é tão rápida, que é impossível ficar alerta para cada uma. Assim, o cérebro ‘desliga’ a atenção.

Não me agradam as explicações neurológicas ou evolucionistas, pois são meras especulações e penso que as causas são mais profundas. No caso neurológico, a atividade neuronal é, em minha concepção, uma consequência e não a causa, apesar de ser essencial para se ter consciência dos processos mentais. De qualquer modo, é interessante notar que o estado de desatenção do telespectador é universalmente reconhecido.

Note-se que em vários trechos usei para o telespectador as expressões ‘geralmente’ e ‘normalmente’. Isso se deveu ao fato de que, se o telespectador interessar-se muito sobre o que está sendo transmitido (por exemplo, se forem transmitidas imagens de uma enchente no seu bairro, ou o sequestro de uma pessoa conhecida, etc.), ele pode ficar completamente consciente e prestar atenção no que está vendo e ouvindo. Mas esse é um estado raro.

Vimos então que das atividades mentais, a vontade (que é sempre a origem de uma ação) é eliminada, e o pensamento consciente é abafado. Das atividades interiores, sobra a dos sentimentos. Eles estão sendo incentivados, por meio de emoções fortes, como vimos no capítulo 2. É por meio de emoções fortes que os telespectadores são mantidos acordados, pois a tendência de passarem do estado de sonolência para o sono profundo é muito grande. Vejamos a influência disso nos programas.

4. Os programas

A grosseria da imagem leva a uma situação especial: as imagens de pessoas mostram-nas por inteiro somente em situações especiais, como entrando ou saindo de um ambiente, uma luta corporal, etc. Pode-se verificar que, em novelas, filmes feitos para a TV (ou visando transmissão ou reprodução posterior por meio de uma tela de TV ou de vídeo) as pessoas aparecem em geral somente do tórax para cima. Se elas fossem transmitidas de corpo inteiro, os olhos, nariz e boca seriam apenas manchas, e com isso perder-se-ia a expressão do rosto. Ora, como veremos a seguir, essa expressão, que mostra os sentimentos da pessoa sendo focada, ou do ator querendo transmiti-los, é o que a TV mostra de mais importante.

Como o telespectador está normalmente num estado de consciência de sonolência, ou semi-hipnótico, as emissoras enfrentam um grande problema: como impedir que ele passe desse estado para o sono profundo? (Algumas pessoas tem uma proteção natural e adormecem logo depois de ligarem a TV, independente do programa – aliás, isso mostra que o estado normal de sonolência não depende do programa.) Os diretores de imagem usam justamente o truque de mudarem a imagem constantemente para chamarem, pelo menos um pouco, a atenção do telespectador. Um programa com imagem muito parada é em geral considerado monótono pelos telespectadores, que ou adormecem ou mudam de canal para algo mais emocionante. Já os diretores de programa, sabendo muito bem que a TV atinge primordialmente os sentimentos, procuram transmitir programas com emoções fortes e em forma de show. Ora, uma receita infalível para suscitar emoções fortes no telespectador é transmitir imagens com violência. Porém, há uma outra forma de compreender por que a TV transmite tanta violência: as imagens são movimentadas, grosseiras (ver capítulo 2), e devem ter forte conteúdo emocional, para interessar o telespectadores. Ora, excesso de movimentos, grosseria e emoções fortes são justamente características fundamentais da violência!

A quantidade de atos de agressão e violência que são transmitidos pela TV é de estarrecer. Spitzer (2005) cita A.M.S. Barry (1997), dizendo que a American Medical Association estimou que uma criança, quando acaba o antigo ensino primário (10 a 11 anos) já viu em média 8.000 mortes e mais de 100.000 atos de agressão na TV. Foi também estimado que até os 18 anos um jovem viu 32.000 assassínios e 40.000 tentativas de morte na TV, e que os números são ainda maiores para centros de cidades grandes. Em 2/4/92 foram analisados, em Washington, os programas dos 10 canais mais assistidos, de 6h00 até meia-noite; as 180 horas totais de TV contiveram 1.846 atos explícitos de agressão, dentre os quais 751 com risco de morte e 175 com morte. Isso dá 10 atos de agressão e uma morte por hora de TV, distribuídos entre os vários canais.

O maior estudo americano sobre violência na TV até a sua publicação (Seawall 1997), que durou 3 anos de análise, em períodos de 9 meses, de mais de 6.000 horas de programas em 23 canais, detectou que a maioria dos atos violentos eram “embelezados e saneados” (glamorized and sanitized): 40% de todos esses atos eram iniciados por ‘bons’ personagens que provavelmente são tomados como modelos atraentes. As consequências de longo prazo daqueles atos só foram mostrados em 15% dos programas. Um dos autores do estudo conclui que “Esses padrões ensinam às crianças que violência é desejável, necessária e indolor”. Quase 3/4 das cenas de violência não continham nenhum remorso posterior, e os “maus” personagens ficaram impunes em 40% dos programas. Programas que empregam um tema fortemente contra a violência foram apenas 4% de todos os que a representaram; o número de programas que contêm violência foi de 61%. Mas ficaram mais frequentes no horário nobre, aumentando 14% nos canais abertos e 10% nos a cabo, de 1994 a 97. Interessantemente, o estudo mostrou que a classificação adotada pelos canais para a maioria de seus programas não tinha nada a ver com a violência destes o que, segundo o relatório, invalida totalmente o efeito que teriam os v-chips, dispositivos que deveriam bloquear os programas violentos. O curioso é que o estudo foi comissionado pela National Cable Television Association, mas o meio acadêmico de onde provêm os pesquisadores garante a sua seriedade. Já Zimmerman et al. (2005) constataram que “aproximadamente 60% dos programas de televisão contêm violência.”

Jerry Mander (1978) afirma simpaticamente, em seu excelente livro, que a TV transmite violência não devido ao gosto dos telespectadores por ela, mas por ser o que é melhor transmitido por esse aparelho. Ver também outros detalhes em meu artigo sobre TV e violência (Setzer 2000).

Comparemos novamente com a leitura. Muitos livros suscitam emoções, como os de mistério, os que relatam sofrimentos humanos, etc. No entanto, essas emoções são suscitadas pelas imagens criadas interiormente pelo leitor em sua mente, são suas criações, se bem que incentivadas pelo conteúdo da leitura. Já no caso da TV, as emoções são devidas às imagens exteriores que provêm do aparelho e eventual tom de voz dos personagens. Por exemplo, a transmissão da imagem de uma pessoa sofrendo pode produzir sofrimento no telespectador, mas a imagem não foi criada por ele. Note-se que as imagens interiores criadas por um leitor mudam com o tempo, isto é, serão em geral outras se o mesmo texto for lido posteriormente; as imagens de um filme estão congeladas, petrificadas.

Sendo as emoções praticamente a única coisa que toca o telespectador, pode-se compreender o que foi dito no início deste capítulo: para transmitir os sentimentos da pessoa ou do ator sendo focado, é necessário ver a expressão de seu rosto. Devido à grosseria da imagem, é então necessário focar a pessoa apenas do tórax para cima. Em filmes antigos, que não foram feitos para a televisão (certamente antes da década de 1950, provavelmente até o fim dessa década), os atores eram muito mais focados de corpo quase inteiro, pois a imagem grande da tela de cinema, e a granularidade muitíssimo maior da imagem desse último, permitiam que se notasse a expressão do rosto sem que ele preenchesse grande parte da tela.

Uma das consequências de a TV atingir principalmente as emoções do telespectador é que as novelas e filmes em geral transmitem conflitos entre pessoas. Quanto maior o conflito, mais o telespectador sentir-se-á atraído para o programa. Um outro meio de antingir as emoções dos telespectadores é o uso de erotismo.

Eventos calmos, sutis, belos e bons não transmitem emoções fortes. Por isso os noticiários quase só trazem notícias ruins, emocionantes ou chocantes. A glória para a TV é poder transmitir cenas brutais de guerras reais, preferivelmente acontecendo ao vivo. Note-se o que ocorre em uma transmissão de uma corrida de Fórmula 1: a corrida em si é extremamente monótona. Ela se torna interessante numa ultrapassagem difícil, quando o locutor passa a gritar e colocar o máximo de emoção em sua voz, ou então quando há um acidente, e quanto mais grave melhor. A grande glória é quando um ou mais carros espatifam-se, voam partes e pneus para todos os lados, e o máximo mesmo é quando há uma explosão. O que ocorre com a transmissão depois de um evento desses? Ela começa a repeti-lo 10, 20 vezes pois, afinal, muita emoção, preferivelmente violenta, é o que é melhor transmitido pelo aparelho levando em conta o estado de semi-consciência do telespectador. Se a cena não tem essas características, o locutor tenta fazer o telespectador achar que ela as tem, por exemplo gritando “Haja coração!”. Aliás, gritaria é o que não falta nos locutores de TV.

No caso dos esportes, há duas situações que atingem especialmente os sentimentos do telespectador: competição acirrada e violência. No último caso, note-se como imagens de uma ação violenta em transmissão esportiva passam a ser repetidas, como por exemplo uma falta especialmente dura no futebol ou um desastre grave em uma corrida de automóveis, como já citado.

É importante reconhecer que as imagens transmitidas pela TV são irreais, pois nela é tudo virtual. Mesmo uma transmissão ao vivo é virtual, estando muito longe da realidade; para começar, trata-se de uma imagem relativamente pequena e plana, com cores artificiais. Na verdade, uma certa cor é produzida na tela pela combinação de 3 cores básicas, isto é, vermelho, verde e azul escuro (RGB, das iniciais em inglês); novamente, é o sistema óptico humano que acaba produzindo a cor que é ‘vista’ pelo telespectador.

Uma palavra sobre a irrealidade da imagem e da fala da TV. Esta, como o cinema, permite que se transmitam imagens e falas mudando em curtos períodos tanto o espaço como o tempo. Em outras palavras, se uma cena de curta duração transmite algo relativo a uma certa localidade e um certo tempo, a próxima cena pode transmitir algo que se passa em outra localidade totalmente diversa, e no passado ou no futuro em relação à cena anterior. Compare-se com o teatro: nele, cada cena dura um tempo relativamente longo, e se passa na velocidade humana normal. Dessa maneira, o espectador de uma peça de teatro pode, em cada cena, identificar-se com ela, acompanhar o que está ocorrendo, colocar-se na pele de cada personagem. Em outras palavras, o telespectador é colocado numa situação totalmente irreal – o que é também o caso do cinema. Talvez por isso seja muito comum sair-se de uma sala cinematográfica e levar-se alguns momentos para se ‘baixar novamente à Terra’, isto é, passar-se a vivenciar o mundo real tal qual ele é. Quem sabe por isso o cinema e, hoje, a TV, quando transmitem filmes ou novelas, sejam considerados ‘fábricas de sonhos’. Realmente, o espectador é colocado mentalmente num mundo que não é o real e pode observar toda sorte de situações que conflitam com as ‘leis’ da natureza. No entanto, no sonho as imagens são criadas pelo próprio sujeito.

Ao examinarmos no próximo capítulo as consequências da TV para os telespectadores, é muito importante salientar que o ser humano grava todas as suas experiências, em geral no subconsciente ou no inconsciente. Por exemplo, se alguém encontra uma pessoa e conversa com ela, e não prestou atenção à cor de sapatos da outra, não será capaz de lembrar dessa cor. No entanto, se for hipnotizado no dia seguinte, poderá eventualmente dizer qual era essa cor, que ficou gravada no inconsciente. É interessante também notar que, quanto menor a idade, mais profundamente as crianças gravam suas experiências; daí uma técnica de análise fazer o paciente lembrar do que se passou em sua infância e trazer isso para o eu consciente. Em geral há um limite de idade para isso – é impossível normalmente lembrar de algo que se passou antes de mais ou menos 3 anos de idade, justamente a idade em que a criança começa a referir-se a si própria como ‘eu’, e não pelo seu próprio nome.

Uma das consequências do fato de a TV ser um aparelho com uma tela, onde aparecem imagens, e o estado em geral de sonolência do telespectador, é que ela é o melhor veículo para a propaganda. Esta é, essencialmente, a técnica de fazer as pessoas comprarem o que não necessitam, ou o que é mais caro, ou é de qualidade inferior. Ora, nada melhor para isso do que o consumidor ver uma propaganda e guardá-la direto no seu subconsciente ou no inconsciente, não passando pelo seu consciente pois senão ele iria criticar o conteúdo. No item 5.18 voltarei ao problema da propaganda, expondo dados e detalhes sobre ele.

A respeito de propaganda, pode-se notar claramente o interesse de crianças pequenas por ela. Acontece que elas adoram repetições, e propaganda é justamente o que é repetido na TV.

Note-se que neste capítulo não houve crítica a programas específicos. A intenção foi mostrar que os programas são o que são devido às características do aparelho e do estado do telespectador, isto é, não deve haver esperança de que eles melhorem. A esse respeito, é interessante formular a pergunta: “O que vende a TV, isto é, do que ela vive?” Seria interessante o leitor tentar dar sua própria resposta antes de prosseguir.

Centerwall (1992) responde essa pergunta da seguinte maneira: “Fora a TV a cabo, a indústria da televisão não está no negócio de vender programas aos telespectadores [audiences]. Ela está no negócio de vender telespectadores aos anunciantes. Questões de ‘qualidade’ e ‘responsabilidade social’ são totalmente periféricas à questão de maximizar o tamanho da audiência dentro de um mercado competitivo – e não há fórmula mais testada e verdadeira do que a violência para gerar com segurança grandes audiências que podem ser vendidas aos anunciantes.” Entre nós, há até uma expressão para indicar o volume de audiência: ‘dar Ibope’, fazendo referência a um instituto que faz levantamentos de números de telespectadores bestificados por cada programa. Da próxima vez que o leitor dessas linhas for assistir TV, tente lembrar-se de que, no fundo, está sendo vendido aos anunciantes. A TV educativa ou pública não escapa do objetivo de maximizar audiências, pois necessita justificar o seu gasto pago pelos contribuintes; se ela não tem audiência, ela não se justifica, de modo que seus programas acabam tendo que cair nos mesmos padrões de transmissão dos canais comerciais.

Vou enfatizar o que eu disse: não há nenhuma esperança de que a programação da TV melhore, pois programas realmente educativos, sem agitação, violência e/ou erotismo, seriam extremamente monótonos e teriam baixíssima audiência.

5. Consequências para o telespectador, especialmente crianças e adolescentes

Neste capítulo serão enumeradas várias consequências do uso da TV, com ênfase em crianças e adolescentes. Até o item 5.18, serão seguidos os itens do meu artigo sobre efeitos negativos dos meios eletrônicos em geral, isto é, TV, vídeo game, computador e Internet (Setzer 2008a). Aqui serão apenas extraídos brevemente os resultados das pesquisas citadas naquele artigo, onde podem ser encontrados muito mais detalhes sobre as mesmas, como por exemplo número de sujeitos envolvidos, resultados estatísticos e as páginas das referências citadas.

5.1 Excesso de peso e obesidade

Esses problemas, sabidamente, estão tornando-se epidêmicos. Marshall (2004) estimou que nos EUA morrem cerca de 400.000 pessoas por ano como consequência de excesso de peso. Aliás, chegar a um aeroporto americano é uma experiência chocante: o número de pessoas gordas e obesas que se vê neles é relativamente imenso.

A contribuição da TV para o excesso de peso e obesidade é óbvio. Como vimos no capítulo 3, uma pessoa vendo TV, devido à inatividade física e mental, consome menos energia do que uma deitada sem dormir. Só isso já contribuiria para o aumento de peso, pois em média cada pessoa vê mais de 4 horas de TV por dia. Some-se a essa inatividade o fato de o telespectador estar comendo salgadinhos, docinhos e refrigerantes induzido pela propaganda transmitida, sem qualquer valor nutritivo mas que contribuem decisivamente para o ganho de peso, e tem-se uma fórmula para esse ganho. Cria-se ainda um círculo vicioso: pessoas com excesso de peso tendem a fazer menos exercício físico, pois este exige mais esforço devido à carga adicional de peso, e com isso engordam mais, fazendo ainda menos exercício.

Essa situação é trágica com crianças e adolescentes. Hancox, Milne e Poulton (2004), constataram que, quanto mais uma criança ou adolescente (isto é, entre 5 e 15 anos) veem TV, maior será seu IMC (Índice de Massa Corporal, de BMI, Body Mass Index), o indicador de normalidade ou anormalidade de peso em relação à altura (peso em kg dividido pela altura em m ao quadrado) na idade adulta – ver sua descrição e gráfico de normalidade na Wikipedia. Usando os resultados de Hancox e de Marshall, Manfred Spitzer (2005) calcula que nos EUA no mínimo 68.000 pessoas (17% de 400.000) morrem por ano como consequência de excesso de peso devido à influência da TV. Segundo seus cálculos, lá morrem 3 vezes mais pessoas como consequência do uso de TV do que em acidentes de trânsito.

Wiecha, Peterson e Ludwig (2006) fizeram uma pesquisa resultando que cada hora de aumento de ver TV foi associada com em média 167 kcal adicionais de ingestão de alimentos calóricos não-nutritivos por dia. Segundo os autores, “Nossa análise leva a uma ligação entre assistir TV e mudanças não-saudáveis de hábitos alimentares [dietary changes], sugerindo que a propaganda de alimentos na TV tem uma poderosa influência no que é comido. De fato, estudos mostram que ver TV está inversamente associado com a ingestão de frutas e verduras, que recebem pouco tempo de transmissão, apesar de seu potencial para promover a saúde de vários modos, e de proteger contra ganho de peso [eles citam trabalhos sobre esses fatores]. … se bem que crianças e jovens são encorajados a prestarem atenção [watch] ao que comem, muitos jovens parecem comer o que eles prestam atenção [watch, isto é, veem na TV], e no processo incrementam o risco de aumentar a ingestão de energia. Na falta de regulamentações restringindo a propaganda de alimentos dirigida a crianças, a redução no tempo de assistir TV é um enfoque promissor para reduzir a ingestão de energia.” Eles concluem: “O aumento no uso de TV está associado com aumento na ingestão de calorias entre jovens. Essa associação é feita por meio do aumento de alimentos densamente calóricos e de baixo valor nutritivo, frequentemente anunciados na TV.”

Spitzer (2005) chama a atenção para o fato óbvio de que a propaganda de alimentos sem valor nutritivo nunca é feita por pessoas gordas ou com aparência desagradável. Acrescento ainda o fato de esses alimentos conterem quase que somente carboidratos ( junk food), fora sua quase total industrialização, o que leva a uma desnaturação e conseqüente perda de qualidade. Reconhecendo-se que quase tudo o que ocorre de ruim nos EUA aparece depois muito pior no Brasil, podemos imaginar que a situação entre nós é muitíssimo pior.

Vale a pena citar o relatório de 2006 da Kaiser Family Foundation sobre meios eletrônicos e a família (Rideout e Hamel, 2006). “Assistir TV enquanto comem refeições ou salgadinhos [snacks] é relativamente frequente entre crianças pequenas. De fato, 30% das crianças de 6 anos ou menos [o objeto da pesquisa] vivem em lares onde a TV fica ligada a maior parte do tempo (14%) ou todo o tempo (16%) durante as refeições. Em qualquer dia, mais ou menos metade (53%) de todas as crianças comem um salgadinho [snack] ou uma refeição em frente da TV.” 13% das crianças comem refeições metade das vezes com a TV ligada; isso significa um total de 43% de crianças que comem pelo menos metade das vezes com a TV ligada. Uma mãe deu o seguinte depoimento: “Nós normalmente vemos TV enquanto almoçamos. … Ela [a criança] pensa que somente se come em frente da TV.” Pode-se bem imaginar a influência que isso tem sobre a digestão, os péssimos alimentos que são ingeridos, e o excesso de peso daí resultante. Voltaremos a esse assunto no item 8.1(c).

5.2 Riscos de doenças

Além do aumento de peso e obesidade, o que por si só já provoca vários problemas de saúde, a TV aumenta o risco de se ter várias doenças, como foi comprovado por inúmeras pesquisas. Por exemplo, N. Wong e colaboradores (1992) verificaram que crianças e jovens que assistem muita TV tem muito maior chance de ter colesterol aumentado, e que o consumo de TV é o fator, dentre os estudados, que tinha maior valor de previsão para o nível de colesterol. Hancox, Milne e Poulton (2004), já citados acima, também detectaram uma correlação entre consumo de TV e aumento do colesterol. Eles verificaram ainda que, quanto maior o consumo de TV em criança, menor a resistência na idade adulta a testes ergométricos. Um dos seus resultados é que o consumo de TV quando criança aumenta em 17% a chance de fumar aos 26 anos; esse resultado é particularmente interessante pois o estudo foi feito na Nova Zelândia, onde há proibição de propaganda de cigarros na TV desde 1963 (ano de início do estudo); isto é, o aumento do fumo foi devido à propaganda subreptícia em programas (product placement ou merchandising, isto é, representação de pessoas-chave fumando, como personalidades públicas, personagens de filmes e telenovelas, etc.). Nos EUA morrem anualmente 435.000 pessoas como conseqüência do fumo, um fator ainda maior do que o excesso de peso. Usando os 17% de Hancox, isso significaria 74.000 mortes a mais devido ao aumento do consumo de fumo produzido pela TV vista por crianças e adolescentes. Janz et al. (2001) demonstraram que a BMD (bone mineral density, densidade mineral dos ossos) é inversamente associada ao tempo que meninas veem TV. Sorof e Daniels (2002) constataram que o excesso de peso em crianças aumenta em 3 vezes a probabilidade de elas adoecerem por hipertensão. Spitzer (2005) cita um trabalho de Hauner (2004) mostrando que hipertensão em crianças leva frequentemente à hipertensão nos adultos.

O fato de o telespectador ficar fisicamente estático, e portanto fazer menos exercícios físicos, pode causar várias doenças não ligadas diretamente à obesidade. Por exemplo, em 3/3/09 o jornal The Guardian trouxe uma notícia relatando que Andrea Sherriff e colaboradores fizeram uma pesquisa na Universidade de Glasgow, com dados de 14.000 crianças; o artigo sobre a pesquisa estava para ser publicado naquela data na revista de medicina Thorax. Eles usaram o número de horas que elas passavam vendo TV como um indicador de sedentarismo. “6% das crianças que eram saudáveis aos 39 meses de idade foram diagnosticadas como tendo asma na idade de 11½ anos. Mas as crianças que viram mais de 2½ horas de TV por dia aos 39 meses de idade tinham uma chance duas vezes maior de desenvolver a doença. … O pouco exercício físico causou um aumento igual de asma em meninos e meninas, e não estava relacionado com o peso.” Há ainda uma citação, aparentemente da autora do estudo: “Temos um das maiores taxas de asma no mundo, de modo que é especialmente importante que os pais na Inglaterra tentem mover [prise] suas crianças para longe da TV, encorajando-os a levar um estilo de vida ativo.”

Martinez-Gomez e colaboradores (2009) fizeram uma pesquisa para verificar se havia relação, em crianças de 3 a 8 anos de idade, entre atitude sedentária (“atividades que não aumentam substancialmente o gasto de energia acima do nível de repouso”, medida por meio de acelerômetro carregado na coxa por elas) e ver TV (informado pelos pais), com aumento de pressão sanguínea. A importância desta é citada como “Para a prevenção de hipertensão e doença cardiovascular, é importante compreender melhor a influência de atitudes sedentárias na pressão sanguínea.” Eles afirmam: “Nossos resultados indicam que uma atitude sedentária medida pelo acelerômetro não foi associada com pressão sanguínea. No entanto, o uso de aparelhos com tela, especialmente ver TV, foi significativamente associado com pressão sanguínea, independentemente da adiposidade [nível de gordura dos sujeitos]. … observamos que os participantes no tercil [isto é, 1/3 dos sujeitos] com menor uso de TV tinham pressão sanguínea sistólica e diastólica [os dois números que sempre se dá para a pressão] significativamente menores que os participantes dos tercis superiores. … Participantes no tercil mais baixo passaram menos do que 30 minutos por dia vendo TV e usando outros aparelhos com tela. Portanto, isso sugere que 30 min/d de uso pode ser um limite razoável em crianças pequenas para prevenir níveis altos de pressão sanguínea. … A conclusão é que os resultados deste estudo mostraram que ver TV e uso de outros aparelhos com tela foram associados com pressão sanguínea independentemente da composição corporal das crianças.” Com isso, os autores estão indo contra a recomendação da American Academy of Pediatrics que recomenda um limite de uso de aparelhos com tela a não mais do que 2 horas por dia, como veremos no item 8.1. Eles fazem 4 conjecturas sobre a razão do aumento de pressão devido a crianças verem TV, incluindo “… ver TV pode perturbar [disrupt] o número de horas de sono em crianças.” Eles não citam alguns de meus argumentos sobre influência da TV nos telespectadores, e que talvez sejam causas, eventualmente principais, do aumento da pressão sanguínea, entre eles: apelo excessivo às emoções e à violência, o que deve ser particularmente pernicioso para crianças, que deveriam idealmente ter uma vida calma e feliz, sem contato com as misérias do mundo; atitude física absolutamente anormal, pois naquelas idades as crianças deveriam movimentar-se a maior parte do tempo em que estão acordadas; sono irrequieto devido aos sobressaltos provocados pelos programas; gravação no subconsciente de imagens com atitudes agressivas e más, bem como imagens feias e monstruosas.

Vou citar aqui uma conjetura minha, que não trata diretamente de doenças, mas da saúde. Trata-se do caso dos idosos que veem muita televisão. Essas pessoas claramente perdem o interesse pelo mundo real. Ora, sabe-se que se um idoso perde o interesse pela vida, principalmente em ajudar os outros (o que acontecia antigamente quando cuidavam dos netos e bisnetos), ou deixa de ter uma vida ativa, física e mentalmente, mesmo que seja cuidando diariamente de seu jardim ou lendo, esclerosa mais rápido e tende a viver menos tempo. Assim, parece-me que idosos que veem muita TV tendem a ter menor esperança média de vida. Seria muito fácil fazer uma pesquisa nesse sentido, mas provavelmente não existe interesse nesse sentido, pois o resultado será possivelmente catastrófico para a TV

5.3 Problemas de atenção e hiperatividade

Considerando-se que as imagens transmitidas pela TV mudam com muita rapidez, como já foi notado no capítulo 2, parece óbvio que crianças ou adolescentes acostumados a sofrer a enxurrada de impressões visuais fortes da TV acabam tendo problemas de atenção e de concentração em situações calmas, como as de uma aula, de leitura, de observação da natureza, de atenção quando outra pessoa fala, etc.

Problemas de atenção foram constatados por Christakis et al. (2004): “O fato de crianças verem televisão muito cedo está associado a problemas de atenção aos 7 anos. Esforços para limitar o tempo de ver TV na primeira infância (early childhood) podem ser justificados (warranted).” Os autores ainda afirmam que os pais e pessoas que tomam conta de crianças podem reduzir as chances de uma criança desenvolver Déficit de Atenção e Distúrbio de Hiperatividade (Attention Deficit and Hyperactivity Disorder, ADHD) se limitarem o tempo de ver televisão em crianças pequenas.

A produção de hipertatividade pela TV é fácil de ser compreendida: crianças saudáveis não ficam quietas, estão sempre fazendo algo, pois é assim que aprendem, desenvolvem musculatura, coordenação motora, etc. Uma criança saudável só fica parada se ouvir uma história: aí se pode observar que ela fica como que olhando para o infinito, pois está imaginando toda a história interiormente. No caso da TV, a criança fica fisicamente estática e, como já vimos, em estado de sonolência (ver o cap. 3), não tendo nada a imaginar, pois as imagens já vêm prontas e se sucedem em relativamente alta velocidade. Ao se desligar o aparelho, a criança tem uma explosão de atividade, para compensar o tempo que ficou imóvel e passiva; os pais, incomodados, colocam-na novamente à frente da TV para que a ‘babá eletrônica’ a acalme…

5.4 Agressividade e comportamento antissocial

Já vimos no capítulo 4 que a quantidade de violência transmitida pela TV é enorme e que o ser humano grava todas suas vivências. Parece então óbvio que isso deve ter algum efeito na agressividade de crianças e adolescentes, pois eles estão formando seu caráter, o que mais tarde também vai redundar em agressividade na idade adulta. É importante considerar que essa agressividade pode manifestar-se de maneiras e intensidades diversas, desde agressão verbal até agressão física com danos para a vítima.

Uma forma relativamente leve de agressão é desrespeitar outra pessoa. Em crianças, isso já se manifesta, por exemplo, na desobediência, em ‘responder’ às pessoas de mais idade, etc. Ora, programas de TV estão repletos de desrespeito e ridicularização de pessoas. Isso é típico em desenhos animados que, independente da ação representada, implicam em um desrespeito pois são sempre caricaturas da realidade, como aliás é o caso de todas histórias em quadrinhos.

Um extenso e detalhado estudo longitudinal, isto é, da infância à idade adulta, foi feito por Huesmann et al. (2003). Analisando ainda 32 trabalhos científicos, eles afirmam: “Como a resenha acima indica, nas várias décadas passadas a correlação entre violência na TV e agressão infantil ou em adolescentes foi demonstrada de maneira não-ambígua.” Eles dizem que isso vale tanto para curto como longo prazo (de 15 anos). Além disso, “… a violência na mídia pode afetar qualquer criança de qualquer família. … Assim como cada cigarro que é fumado aumenta um pouquinho a probabilidade de se ter um tumor no pulmão algum dia, a teoria apoiada por esta pesquisa sugere que cada programa violento aumenta um pouquinho a probabilidade de uma criança crescer comportando-se mais agressivamente em alguma situação.” Esse argumento deveria ser bem refletido pelos pais que afirmam “só uma meia horinha de TV por dia não faz mal…”.

Como o telespectador está normalmente em um estado de sonolência, as imagens de violência são gravadas no subconsciente ou no inconsciente, é nos momentos de consciência diminuída, tais como stress, exaustão, emergência, excesso de medo, perigo, raiva, estado alcoólico ou drogado, que as imagens gravadas profundamente vêm à tona e a pessoa reage de maneira agressiva segundo esse condicionamento. Várias pesquisas com questionário não mostraram efeitos da TV sobre a agressividade; parece-me que a causa é o fato de questionários serem respondidos sempre conscientemente. É necessário provocar o estado de semiconsciência ou inconsciência para se detectar o efeito da violência assistida na TV.

As emissoras de TV estão, obviamente, identificadas com o capitalismo e, portanto, com o egoísmo (que está na raiz do capitalismo, desde Adam Smith) e a competição – vejam-se a quantidade de transmissões de esportes competitivos. Ora, a competição é antisocial por natureza, pois quando ela existe, sempre alguém ganha e alguém perde. Quem ganha fica contente, mas às custas da frustração de quem perdeu, o que é uma atitude antissocial. Pelo contrario, a cooperação sem competição é altamente social. As crianças e jovens deveriam se educadas para cooperar, e não para competir. Quem sabe assim conseguiríamos reverter a degradação social que estamos presenciando em todo lugar. Uma criança ou adolescente educados para cooperar enfrentarão sem problemas a competição quando forem adultos; isso aconteceu com meus 4 filhos. No entanto, terão desenvolvido sensibilidade social e compaixão, que são destruídos pela competição.

5.5 Medo e depressão

O medo induzido pela TV deve ser devido ao fato de esta transmitir prioritariamente tudo o que é negativo e violento. Como vimos no capítulo 4, fatos bons, calmos e agradáveis não são bem transmitidos, pois não incentivam emoções fortes como acidentes (principalmente os transmitidos durante o seu acontecimento), sofrimentos, tensões, brigas, guerras, etc.

Em relação às crianças, as transmissões pela TV de figuras grotescas (muito comuns em programas ditos ‘infantis’) e monstruosas, incluindo as dos bestiais desenhos animados, obviamente suscitam medo. Um exemplo típico é o dos dinossauros, especialmente os gigantescos. Nunca consegui compreender como pessoas, principalmente pais e mães, acham que esses dinossauros são apropriados para crianças. Eles são monstruosos, agressivos, enormes, verdadeiras realizações, na realidade passada anterior ao aparecimento físico da humanidade, daquilo que esta considerava antigamente como a imagem de apavorantes dragões. Se eles não mais induzem medo em uma criança, é por esta ter-se tornado inadequadamente insensível ao que é feio, monstruoso e apavorante, e isso vai influenciá-la pelo resto da vida.

Gerbner e Signorelli (1990) pesquisaram durante mais de 20 anos violência na TV em horários nobres e em desenhos animados, mostrando que “O consumo constante de programas de TV violentos faz com que tanto crianças como adultos encarem o mundo e outras pessoas como mais perigosos do que são na realidade.” Eles denominam esse efeito de ‘síndrome do mundo vil’ (the mean world syndrome). Segundo eles, “Pessoas que veem 5 ou mais horas de TV diariamente são mais medrosas que as que veem 3 horas ou menos. Os que assistem muito a TV avaliam exageradamente mais facilmente a chance de que se tornem vítimas de crimes (com chance maior da que consta em relatório do FBI para crimes em seu próprio bairro). Essas pessoas tomam mais medidas de segurança que outras, como por exemplo viajar mais raramente de noite, ou aumentar os dispositivos de segurança em sua casa. Elas tomam mais cuidado, e veem o mundo nitidamente diferentemente de outras pessoas que não pensam que vão ser vítimas em cada esquina. A pesquisa mostra que a violência na TV deforma a maneira de se encarar a realidade e portanto a atitude e os valores das pessoas.” Patzlaff (2000) chama a atenção para o fato de que, para pessoas que veem muita TV, os horrores, a violência e o desrespeito mostrados com grande frequência acabam por induzir uma mentalidade de que o mundo todo é daquele jeito, induzindo ao medo.

Conceitualmente, não é difícil entender por que a TV produz depressão: com seu uso, aumenta a chance de se ter excesso de peso e várias doenças, e de fumar (ver o item 5.2), bem como ter atitudes antisociais (ver 5.4). Certamente, todos esses fatores devem levar a aumento de depressão, devido à frustração que todos eles trazem. Em particular, um fator importante nesse âmbito é o isolamento social, que será abordado no item 5.13. Além disso, deve haver um efeito mais profundo: o telespectador está fazendo um lazer absolutamente improdutivo, sem substância humana, totalmente inútil; uma hora vendo TV é praticamente um buraco de uma hora na vida de uma pessoa – fora os prejuízos que ela causa. É muito provável que esses fatores provoquem, consciente ou inconscientemente, uma revolta contra essa atividade, o que pode levar à depressão. Esse fator pode ainda ser incrementado pela frustração de a pessoa não conseguir controlar-se, parar de assistir, ou ainda não conseguir deixar de ligar os aparelhos. Vou relatar aqui um caso pessoal. Um aluno, no começo de uma aula, disse-me: “Professor, fiquei tão impressionado com seus argumentos contra a TV na última aula, que resolvi não ligar o aparelho ao chegar em casa. Pois sabe o que aconteceu? Acabei ligando-o!” O ser humano é tanto mais humano quanto mais consegue controlar seus atos conscientemente; os animais são incapazes de fazer isso, pois controlam seus atos por instinto ou condicionamento, já que não podem pensar conceitualmente na consequência de seus atos. Essa verdadeira degradação da vontade pode ser mais uma causa de depressão. Finalmente, muitas pessoas que veem TV não tem capacidade econômica de adquirir os produtos que lhe são impingidos pela propaganda ou pelo merchandising, e certamente devem ficar frustradas com isso, o que poderia contribuir para a depressão.

5.6 Intimidação a colegas (bullying)

Uma das manifestações da agressividade induzida pela violência na TV é a intimidação a colegas (bullying). Zimmerman et al. (2005) fizeram uma pesquisa constatando que “… o estímulo cognitivo, o apoio emocional e a exposição à televisão aos 4 anos de idade foram cada um independentemente associados com o fato de a criança ser considera um intimidador [bully] no ensino fundamental, conforme relato das mães. Os dois primeiros fatores foram associados negativamente, e a TV positivamente, com a classificação de intimidador. … Um aumento de um desvio padrão no número de horas de televisão vistas na idade de 4 anos é associado com um aumento aproximado de 25% na probabilidade de [a criança] ser descrita como um intimidador pela mãe nas idades entre 6 e 11 anos.” Eles chamam a atenção para o fato de normalmente achar-se que apenas os programas violentos acabam produzindo o efeito de tornar a criança um intimidador. “No entanto, aproximadamente 60% dos programas de televisão contêm violência, portanto o número de horas vistas de televisão provavelmente correlaciona com o número total de horas vistas de televisão violenta.”

Certamente, o desrespeito assisitido na TV, citado nos itens 5.4 e 5.5, deve contribuir para a indução de desrespeito e portanto intimidação aos colegas. Esta deveria ser evitada pela compaixão em infringir um sofrimento a uma pessoa, mas como uma criança pode ter compaixão se se acostumou à violência transmitida pela TV? Em boa parte como vimos no capítulo 4, a TV transmite a imagem de que violência não é punida.

5.7 Indução de atitude machista

Como foi descrito no capítulo 4, a TV dirige-se essencialmente para as emoções. Além da violência, o outro fator que mexe diretamente com os sentimentos é o erotismo. No entanto, observando-se os programas, vê-se que eles são dirigidos muito mais para a excitação erótica masculina do que a feminina. Basta observar a exploração que é feita, para os homens, da imagem sensual da mulher. Quando aparece algum personagem masculino em atitude sensual, trata-se em geral de um modelo para os rapazes e homens, como por exemplo na propaganda: bebendo-se isso ou comendo-se aquilo acaba-se tão bonito e sensual quando o personagem. Tudo isso induz uma atitude machista, principalmente em crianças e adolescentes.

5.8 Dessensibilização dos sentimentos

Parece óbvio que o costume de ver muita violência na TV deixa a pessoa insensível à primeira. O mesmo se passa com o sofrimento alheio. De tanto presenciá-los, tornam-se coisas banais.

Myrtek e Scharff (2000) fizeram uma pesquisa medindo a pulsação, constatando que o aumento da freqüência cardíaca com as emoções era muito menor em pessoas que assistiam muita televisão. Com isso, eles concluíram que o consumo de TV produz uma diminuição nas reações emocionais, isto é, há um efeito de dessensibilização. Numa pesquisa de Molitor e Hirsh (1994), mostrou-se ou um vídeo com violência ou um sem violência a jovens, que depois presenciaram uma briga entre duas crianças. Os que viram antes o filme violento, mostraram mais tolerância frente à violência real. Anderson et al. (2003) trazem um item sobre dessensibilização e habituação, com várias outras referências.

Dessensibilização significa em boa medida uma insensibilidade para com o sofrimento alheio, isto é, perda da capacidade de ter compaixão. Pode-se notar como criminosos tem agido com cada vez menos compaixão, talvez devido à influência dos meios eletrônicos, em especial a TV. O já citado Centerwall (1992) fez uma comparação entre o aumento do número de aparelhos de TV instalados em uma região e o aumento do número de homicídios, tendo constatado que as curvas de ambos sobem em paralelo (obviamente, com escalas diferentes) com uma defasagem de 15 anos. Talvez a influência da TV em crianças redunde em um aumento de homicídios na idade adulta. Tenho certeza de que a eliminação de cenas violentas na TV, inclusive nos desenhos animados, iria diminuir drasticamente a criminalidade.

Apesar de não ser o tema deste artigo, preciso aqui chamar a atenção de que video games violentos (de longe os mais preferidos por crianças e adolescentes) são muito piores do que a TV, pois neles o condicionamento não se dá somente pela imagem, mas também pela ação (em geral, de matar). Aliás, a origem desse tipo de jogo eletrônico foi a dessensibilização de soldados do exército americano; ver detalhes em meu artigo sobre efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes (Setzer 2008a).

5.9 Indução de mentalidade de que o mundo é violento e violência não gera castigo

O estudo National Television Violence Study (Seawall 1997) concluiu que em 73% dos casos estudados de violência na TV os causadores saíram-se sem castigos. 58% de todos os atos de violência foram representados sem nenhuma consequência negativa em termos de danos ou dores. Somente em 4% dos casos foram apresentadas alternativas não-violentas para a solução de problemas. Comentando esses dados, Spitzer (2005) diz: “[Crianças gravam o seguinte:] Há muita violência no mundo, ela resolve problemas e não há nenhuma outra alternativa, ela não produz dor e nem consequências. Não acredito ser um acaso que a nação na qual suas crianças há muito tempo são sujeitas à maior violência na mídia, comporta-se politicamente como está comportando-se atualmente.” Ele cita um livro de R.H. Weiss (2000), onde se constatou que quase metade dos escolares (provavelmente na Alemanha) viu seu primeiro filme de horror ou de violência antes do décimo ano de vida (é possível que isso se refira a cinema; presumo que na TV isso passa-se muitíssimo antes – pelo menos no Brasil e nos EUA. No item 5.12 veremos que crianças só começam a realmente distinguir fantasia de realidade aos 8 anos de idade, isto é, até lá o mundo violento sem castigo apresentado pela TV é tomado como representando o mundo real.

5.10 Prejuízo para a leitura

Um observador culto e agudo como Neil Postman diz (1987): “A televisão não estende ou amplifica a cultura literária. Ela a ataca.” Lembro-me de ter lido na Alemanha um comentário de jornal dizendo que a TV não tinha diminuído a procura dos livros, que se mantinha nos mesmos patamares. Mas o que o artigo não dizia era que o nível educacional médio da população alemã tem aumentado constantemente, de modo que a procura por livros deveria também ter aumentado. Mas passemos aos resultados das pesquisas objetivas, para voltarmos posteriormente a considerações conceituais.

Um estudo muito elaborado de Koolstra, van der Voort e van der Kamp (1997) foi feito na Holanda, verificando que “ver TV exerce um efeito inibidor no desenvolvimento de compreensão de leitura em crianças. … Os dados sugerem que o efeito inibidor da TV resulta parcialmente de uma redução no tempo de leitura (a hipótese do deslocamento), e parcialmente de um efeito negativo da TV nas atitudes das crianças para com a leitura (a hipótese da depreciação [do valor] da leitura).”

Comentando esse trabalho, Spitzer (2005) diz: “Quem vê muita TV, não lê bem, não lê muito e, novamente, assiste mais TV.” Ele cita um estudo muito rigoroso de M. Ennmoser (2003), no qual, com os dados de consumo de TV, as crianças foram divididas em 3 grupos: as que viam ‘pouco’ (15 a 20 minutos diários), as que viam ‘normalmente’ (aproximadamente 1 hora por dia) e as que viam ‘muito’ (mais de 2 horas diárias). Em termos de velocidade de leitura, o estudo mostrou que as crianças da primeira à terceira séries que viam muita TV tinham bem menos capacidade. Detectou ainda que o tempo de ver TV no jardim de infância prediz com confiança o tempo de ver TV nas primeira e terceira séries. Além disso, o tempo de assistir TV no jardim de infância e na primeira série predizia negativamente a capacidade de leitura na primeira e na terceira séries, respectivamente. Finalmente, as crianças que tem mais dificuldade de leitura na primeira série, também o tem na terceira. Salienta-se que nesse estudo comprovou-se que o nível social e o QI não influenciaram os resultados negativos da TV sobre a capacidade de leitura. Pelo contrário, crianças de níveis sociais mais privilegiados sofriam mais com o tempo de assistir TV na idade do jardim de infância. (Óbvio ululante: os pais desses níveis tendem a incentivar muito mais seus filhos, e se estes vêm muita TV, não há tanto tempo para esse incentivo ou outras atividades.) Por outro lado, TV durante a idade do jardim de infância afetava mais negativamente as crianças com QI menor. Spitzer afirma a respeito desse trabalho: “Em termos claros, isso significa: TV tem efeitos indesejáveis sobre o aprendizado de leitura. Esse efeito depende da dose e não se apresenta somente a partir de 3 ou 4 horas diárias, mas com toda a clareza já com 2 horas. Não dá portanto na mesma, se no jardim de infância ou na escola elementar são assistidos 15 ou 120 minutos de TV.”

Quem lê exercita seu pensamento lógico (lendo filosofia ou ciência) ou imaginativo (lendo romance ou poesia – esta, a arte mais ‘elevada’!). Quem vê TV não consegue fazer nada disso, e portanto está cada vez mais prejudicando sua capacidade de pensar. Isso é ruim para adultos, mas é trágico no caso de crianças e jovens, que justamente deveriam estar desenvolvendo aqueles tipos de pensamento.

5.11 Diminuição do rendimento escolar e prejuízo para a cognição

Spitzer (2005) traz um capítulo inteiro sobre a influência do tempo de ver TV no rendimento escolar, citando pesquisas que comprovam a correlação negativa entre os dois, isto é, quanto mais crianças e jovens veem TV, pior o seu rendimento escolar. Parte dessas citações já vimos no item anterior, sobre o prejuízo para a leitura. O estudo mencionado no já citado livro de Myrtek e Scharff (2000) comprovou que, quanto mais viam TV, pior eram as notas em alemão tiradas pelas crianças alemãs investigadas, entre 11 e 15 anos. Nesse estudo, foram eliminadas as influências de QI, leitura fora da escola, tempo de fazer deveres escolares em casa, e costume de leitura dos pais. Spitzer conclui: “A má influência da TV sobre as notas escolares não são explicadas pelo fato de que aquele que vê muita TV faz menos lições de casa e, portanto, vai pior na escola. Ao contrário, é a própria TV que tem efeitos negativos.” Existem várias possíveis causas para isso. Penso que uma das mais importantes é o costume imposto pela TV de se achar que o que não é apresentado em forma de show agitado e excitante não é interessante (ver capítulos 2 e 4). Assim, as aulas devem parecer muito monótonas às crianças e jovens que assistem muita TV. De fato, no citado estudo de Myrtek e Scharff foi medida a pulsação cardíaca. Esta, quando a pessoa não está se movendo, mostra a demanda emocional. Eles comprovaram que, durante as horas escolares, os alunos tinham aumentos menores de freqüências cardíacas (quase a metade) do que vendo TV. O interessante é que os alunos diziam que a escola era estressante; no entanto, o estudo mostrou exatamente o contrário: a TV é que é estressante; a avaliação subjetiva foi nesse caso contrária à da objetiva.

Hancox, Milne e Poulton (2004) descrevem uma pesquisa longitudinal na Nova Zelândia. Foram feitos levantamentos quanto ao tempo dedicado a ver TV dos 3 aos 26 anos, a cada 2 anos até 15 e depois a cada 3 anos até 21, e o levantamento final aos 26. Inicialmente, os pais respondiam as perguntas, e depois dos 13 anos os próprios jovens respondiam. Foi feito o cálculo do tempo médio semanal de ver TV dos 5 aos 11 anos (infância) e, dos 13 aos 15 anos (adolescência). No fim do estudo, levantou-se o grau de escolaridade atingido aos 26 anos, numa escala de falta total de qualificação profissional, qualquer formação concluída no ensino fundamental (usando os padrões neozelandeses), formação a nível colegial e formação universitária. Além disso, foram levantados em cada etapa dados socioeconômicos dos pais, o QI e problemas comportamentais das crianças e jovens. O resultado foi o seguinte: “… ver TV em excesso tem um provável impacto negativo no sucesso [achievement] educacional. … as associações entre o tempo de ver TV e resultados educacionais foram fortes e independentes de influências conhecidas de inteligência, status socioeconômico e problemas de comportamento na infância.” Isto é, os que viram muita TV entre 5 e 15 anos atingiram aos 26 anos um grau de formação significativamente menor do que os outros, independentemente do QI e do rendimento familiar, que foram mantidos constantes na análise multivariada. Foi achada uma correlação positiva entre o consumo de TV aos 13 e 15 anos e o abandono da escola sem obtenção de qualquer diploma. Por outro lado, quanto menor o consumo de TV, maior foi a chance de obter um diploma universitário. Interessante é que o consumo de TV influencia negativa e significativamente o grau de escolaridade atingido pelos que tem QI médio. Os de QI baixo não são influenciados significativamente pela TV (não obtendo, em geral, diploma universitário), e os mais dotados acabam terminando a universidade independentemente do tempo de ter visto TV. Assim, justamente os alunos de nível médio de QI, os que teriam alguma chance de completar os estudos se corretamente incentivados, são os mais prejudicados.

G.J. Johnson e colaboradores (2007), em um trabalho mais recente, fizeram uma análise estatística em que jovens foram agrupados em 3 categorias: os que viam até 1 hora de TV por dia, 1 a 3 horas e 3 horas ou mais. Foram computados os níveis socioeconomicos dos pais, para se estudar se esse nível tinha influência sobre a quantidade vista de TV. Foram ainda considerados os fatores de negligência dos pais (a partir de registros oficiais), problemas de atenção, se o jovem fazia ou não os deveres escolares e atitudes negativas deles em relação à escola. Seguem alguns trechos do artigo, pois as conclusões são extremamente relevantes. “Assistir TV em idade média de 14 anos foi associado com um risco elevado de ter dificuldades de atenção frequentes, falha frequente em completar tarefas escolares passadas para casa, achar com frequência que a escola é monótona, fracasso em completar o ensino médio, atitudes negativas em relação à escola (isto é, ódio à escola), e fracasso na obtenção de formação posterior (p.ex. escola técnica superior ou faculdade). Essas associações permaneceram significantes depois que os outros fatores foram controlados [isto é, permaneceram constantes]. … O tempo de ver TV aos 14 anos (1) prevê [é um estimador, tem grande relação com] o fracasso acadêmico; (2) prevê problemas de atenção, baixo nível de conclusão de trabalhos escolares, e atitudes negativas em relação à escola; e (3) problemas de atenção, baixo nível de conclusão de trabalhos, e atitudes negativas sobre a escola preveem fracasso acadêmico posterior depois que o tempo de ver TV aos 14 anos foi controlado estatisticamente.” Além disso, “Ver TV na idade média de 14 anos prevê o tempo de ver TV aos 16 anos e fracasso escolar posterior. … Entre os jovens que viram menos que 2 horas de TV por dia na idade média de 14 anos, uma redução de uma ou mais horas por dia na idade média de 16 anos foi associada a uma diminuição de risco de fracasso escolar durante o ensino médio. O aumento do tempo de ver TV foi associado a um risco elevado de fracasso escolar.” Os jovens que dos 14 aos 16 anos aumentaram seu tempo de ver TV por uma ou mais horas diárias tinham um risco maior de fracasso escolar. “Os resultados do presente estudo são consistentes com a hipótese de que assistir TV frequentemente durante a infância e a adolescência pode estar associado com um risco elevado de desenvolvimento de problemas de atenção, níveis reduzidos de leitura e conclusão de trabalhos escolares, desinteresse pela escola, notas ruins, fracasso escolar e em obter uma formação superior. … Esses resultados somam-se a um crescente corpo de evidências indicando que ver programas de entretenimento e os para público em geral durante a adolescência, pode estar associado com o risco de desenvolvimento de uma ampla gama de deficiências cognitivas e de comportamento que estão associadas com o risco de sucesso acadêmico a longo prazo.” Em minha conceituação, os prejuízos de ver TV em idades menores são ainda maiores.

Há dezenas de anos venho afirmando que qualquer benefício dos meios eletrônicos para crianças e adolescentes (e também, em geral, para adultos), é ultrapassado infinitamente pelos prejuízos. Pois bem, os autores escrevem: “É importante notar que, apesar de existir evidência indicando que programas educativos podem ter efeitos positivos para o desenvolvimento cognitivo durante a infância, nossos resultados sugerem que os benefícios desse programas durante a infância podem ter a tendência de serem ultrapassados pela assistência freqüente, durante a adolescência, de programas de entretenimento e dos dirigidos para o público em geral. A pesquisa tem mostrado que a maior parte das crianças gastam menos do que 10% de seu tempo de assistir TV vendo a TV educativa, e que assistir programas educativos diminui com a idade.”

É interessante que os autores testaram estatisticamente os efeitos inversos: jovens com problemas de atenção e de comportamento, bem como rendimento escolar ruim, verem mais TV. “Os resultados sugerem que, apesar de jovens com problemas de atenção ou de aprendizagem poderem gastar mais tempo vendo TV que jovens sem essas dificuldades, essa tendência pode provavelmente não explicar a preponderância da associação entre ver TV e dificuldades de aprendizagem durante a adolescência.”

Parece-me que o prejuízo que a TV faz para a o rendimento escolar e a cognição tem uma causa profunda: o abafamento que ela causa no pensar (ver o cap. 3), e com isso vai prejudicando essa capacidade. Neil Postman afirmou (1999): “Ver televisão não só não requer habilidade alguma como também não aprimora habilidade alguma.”

Quem sabe os que me ouvem ou leem desde há dezenas de anos e não deram importância às minhas advertências, especialmente em relação a seus filhos, passem a encarar o problema com maior seriedade, agora que minhas conclusões conceituais estão sendo comprovadas cientificamente. Quem sabe poderão agora interferir na educação de seus netos, evitando que eles também sejam bestificados pela TV.

5.12 Confusão de fantasia com realidade

Um dos problemas sérios dos aparelhos com tela é que somente ao redor dos 8 anos as crianças começam realmente a distinguir fantasia de realidade (Spitzer 2005). Portanto, tudo o que veem, em particular na TV, é tomado como algo que pode ser real. Até mais ou menos os 9 anos as crianças são extremamente abertas ao mundo, isto é, não desenvolveram um grau tal de autoconsciência que as isole das suas vivências e lhes permitam encará-las objetivamente. Não poderia ser diferente, pois é nas idades tenras que a criança aprende com uma intensidade que nunca mais vai se repetir, começando pelo andar, depois o falar e depois o pensar (essa é a ordem natural, e se não é seguida, a criança poderá ter problemas posteriormente). Tudo isso é aprendido por imitação; sem a citada abertura, não haveria essa possibilidade. As crianças naturalmente imitam o que veem ao seu redor. Experimente-se fazer repetidamente ao lado de uma criança pequena um certo movimento com um braço ou uma mão – depois de pouco tempo ela começará a imitar o gesto.

Uma boa parte da educação, no lar e na escola, é dedicada ao desenvolvimento da capacidade de se associar uma percepção a um conceito. Para isso, é necessário desenvolver essa capacidade de se chegar aos conceitos corretos correspondentes. Nesse sentido, a TV provê uma imagem virtual, completamente fora da realidade. Pode, assim, haver uma inversão: em lugar de a criança associar a imagem exibida no aparelho com algo que ela conhece do mundo real, fazer a associação do que observa no mundo real com a imagem que viu no aparelho. Em uma palestra, uma pessoa contou-me que conhecia uma história real de uma menina pequena que viu um leão e, em lugar de ficar com medo, correu para ‘brincar’ com ele, pois estava vendo um seriado na TV onde havia um leão bonzinho, tendo obviamente sido estraçalhada. Nesse caso, ocorreu justamente a inversão citada da fantasia com a realidade.

Por outro lado, é fundamental durante essa época de imitação, em que a criança está extremamente aberta para o mundo (senão não conseguiria imitá-lo), não se sente separada dele e tem nele uma absoluta confiança, que se lhe apresente, tanto em figuras como na realidade, apenas o que é bom, belo e verdadeiro. Note-se que o mau, feio e falso podem ser apresentados sob forma de imagens mentais, como é o caso dos contos do fadas, mas como acontece nos últimos, sempre sendo vencidos pelo bom, belo e verdadeiro. Voltaremos a esse ponto no item 6.2 (c).

5.13 Isolamento social e problemas de relacionamento

Já está provado que o consumo de TV por crianças e jovens traz graves prejuízos sociais. O estudo de Myrtek e Scharff (2000), já citado no item 5.8, traz pesquisas estatísticas com alto índice de significância, mostrando diferenças entre baixos e altos consumidores de TV aos 11 e 15 anos em relação a conversar, ficar sozinho e passar tempo com amigos. Aos 11 anos a diferença não é muito grande, mas aos 15 anos ela torna-se um verdadeiro problema social. Assim, o argumento de que crianças e jovens devem ver TV para não se tornarem alienados sociais cai totalmente por terra: quanto mais assistem TV, mais a sós ficam e passam menos tempo com amigos.

Parece-me que esse isolamento social não é somente uma consequência do tempo que os telespectadores ficam bestificados em frente à TV. É possível que eles acostumam-se a entrar em contato virtual com as pessoas, e começam a ter dificuldades de se relacionar frente a frente com elas (a situação é muito pior com a Internet, mas esse não é o tema deste artigo). Talvez se perca também o costume de conversar, pois quando se está assistindo TV, cada um está em seu estado de sonolência e não existe mais interação entre as pessoas.

No estudo de Myrtek e Scharff ficou constatado que “crianças e adolescentes que veem muita TV mantêm menos conversação com outras pessoas, estão sozinhas com maior freqüência, e passam menos tempo com amigos.”

Patzlaff (2000) cita uma pesquisa feita na Alemanha em 1996, com o resultado de que 57% dos alemães questionados manifestaram um crescente receio da influência negativa dos ‘novos meios’ sobre a comunicação pessoal. Seu livro tem uma seção de conteúdo preocupante: devido ao isolamento social produzido pelos meios eletrônicos, as crianças e jovens estão falando muito menos do que antigamente. Ele chama a atenção para o fato de que “… durante milênios a fala envolvia as pessoas tão naturalmente quanto o ar que respiravam; crianças cresciam dentro dela por si próprias, o aprender a falar parecia um dom da natureza. Se alguém quisesse dar uma instrução aos pais de que eles deveriam falar suficientemente com as suas crianças, isso seria tomado como uma piada, assim como se se recomendasse a alguém respirar. Mas o que uma vez foi tão óbvio, hoje não mais o é. Não foi uma piada uma das maiores empresas de seguro de saúde na Alemanha ter há pouco (1997) decidido editar um livro para pais com o título Sprich mit mir! [Fale Comigo!] , a fim de incentivá-los a falar com seus filhos.” A intenção era diminuir os gastos que ela estava tendo com tratamentos fonoaudiológicos. Ele ainda cita uma pesquisa constatando que, na Alemanha, as mães tem hoje em média 12 minutos por dia para falar com seus filhos. Menciona ainda uma pesquisa da fonoaudióloga S. Ward que relatou em 1996 o resultado de uma pesquisa de 10 anos, indicando que 20% das crianças de 9 meses (!) examinadas já manifestavam atrasos no desenvolvimento corporal, se os pais usavam a TV como baby sitter. Se esse uso da TV continuava, crianças com 3 anos de idade já apresentavam atrasos de um ano, isto é, “falavam a linguagem de uma criança de 2 anos, e com isso todo o desenvolvimento era prejudicado.” Obviamente, o tempo despendido com os meios eletrônicos, e o fato de que ao se usá-los em geral fica-se mudo, influenciam essa terrível situação. No entanto, parece-me que há também um fator mais profundo: a falta de interesse pelo mundo real, substituído pelo mundo virtual. Com isso, há menos sobre o que falar.

Christakis e colaboradores (2009) fizeram a primeira pesquisa de campo para medir “os efeitos de crianças verem TV na frequência e natureza das interações entre crianças e adultos numa amostra populacional fora de um laboratório.” Em sua pesquisa 329 crianças de 2 meses a 4 anos de idade vestiram um colete com um pequeno gravador, que deviam usar por períodos de 12 a 16 horas, uma vez por mês, com uma média de participação de 6 meses. Um programa de análise de sons denominado LENA contou posteriormente o número de palavras faladas pelas crianças, pelos adultos e pela TV. Como resultado, “cada hora adicional de exposiçãp à TV foi associada a uma diminuição de 770 palavras que as crianças ouviam de um adulto durante as sessões de gravação, o que representa um decréscimo de 7%. … Nós encontramos que a TV estar ligada estava associado com reduções significativas em contagens de palavras dos pais, vocalizações das crianças, e períodos de conversa com crianças de 2 a 48 meses de idade. Algumas dessas reduções são provavelmente devidas às crianças serem deixadas em frente à tela de TV, mas outras provavelmente refletem situações em que adultos, embora presentes, têm sua atenção desviada pela tela e não interagem com seus filhos de uma maneira distinguível. Em um primeiro momento, esses resultados podem ser inteiramente intuitivos. Isto é, pais interagem [engage] menos com suas crianças quando a TV está ligada. No entanto, esses resultados devem ser interpretados à luz do fato de fabricantes de DVDs infantis afirmarem que seus produtos são projetados para dar a pais e filhos uma chance de interagirem uns com os outros, o que peca pela falta de evidência empírica. Além disso, dado que 30% dos lares [americanos] mantêm a TV ligada todo o tempo, nossos resultados levantam a questão de quantas oportunidades de vocalizações entre pais e filhos estão sendo eliminadas [displaced]. … Nossos resultados podem explicar parcialmente as associações que foram encontradas anteriormente entre crianças verem TV e atraso no desenvolvimento linguístico. Além disso, eles podem explicar atrasos de atenção e de cognição, já que já foi colocado que a linguagem pode ser um mediador crítico tanto para a capacidade de atenção como para a de pensar.” É interessante acrescentar que os pesquisadores tiveram o cuidado de “controlar explicitamente características individuais e familiares que poderiam viciar os resultados.”

Jane Healey, em seu livro (1990), cita uma ampla pesquisa na Inglaterra na qual se achou “que o fator mais potente para predizer resultados escolares foi o tempo empregado em ouvir histórias interessantes. Os autores acreditam que tais atividades ensinam às crianças em primeiro lugar sobre o modo como as histórias (e, depois, outras coisas que elas leem) são estruturadas, bem como o tipo de linguagem que pode ser esperada em uma variedade de textos escritos. Mais importante ainda, entretanto, é compreender as puras palavras como a principal fonte de significado. Devido ao fato de palavras não virem com figuras associadas a elas, a criança deve fazer um esforço para enfrentar ‘o potencial simbólico da linguagem’, o seu poder de representar a vivência independente do contexto do aqui e do agora.” (Ênfase da autora.)

Já que mencionei o problema do desenvolvimento da linguagem, cito uma pesquisa de Zimmerman, Christakis e Meltzoff (2007) com pais de crianças entre 2 e 24 meses, verificando o desenvolvimento da linguagem por meio de vocabulário. Eles constataram que “Esta análise revela uma associação altamente negativa entre ver DVDs ou vídeos para bebês e a aquisição de vocabulário em crianças de 8 a 16 meses de idade. … cada hora de assisti-los corresponde a uma diferença de 6 a 8 palavras para uma criança típica, entre as 90 incluídas no CDI [o padrão de testes de linguagem usado].” Eles não detectaram nenhuma influência entre 17 a 24 meses de idade, mostrando que ela ocorre principalmente durante a formação básica da linguagem. Esse fato sugere-me extrapolar isso para qualquer formação básica, seja de coordenação motora, de sentimentos ou de cognição e de pensamentos (cujo desenvolvimento passa-se até o fim da idade escolar).

O aumento do medo visto no item 5.5 e as mudanças de atitudes devido a ele claramente afetam o relacionamento social e a visão de mundo das pessoas. Portanto, a enorme incidência de violência na TV está afetando negativamente esse relacionamento.

Finalmente, vou citar um depoimento pessoal. Minha saudosa tia Esther reclamava de não poder visitar mais seus amigos à noite, pois estavam assistindo novela.

5.14 Aceleração do desenvolvimento

Uma das consequências garantidas dos meios eletrônicos, e em particular da TV é uma aceleração do desenvolvimento, principalmente mental. Infelizmente, muitas pessoas acham que essa aceleração é desejável, quando ela é, na verdade, altamente prejudicial.

A aceleração do desenvolvimento nas crianças causada pela TV foi objeto do livro do conhecido pesquisador, precocemente falecido, Neil Postman (1999). Nesse livro, ele traça a história do conceito de infância, mostrando que é muito recente (por exemplo, nas pinturas da renascença, as crianças eram retratadas como adultos em miniatura), e deveu-se à escolarização: antes disso, as crianças ajudavam os pais nas tarefas caseiras e no campo, isto é, já trabalhavam assim que essa ajuda podia ser efetiva. No entanto, ele reconhece que os meios de comunicação, especialmente a TV, transmitem às crianças imagens do mundo adulto – mesmo em programas ditos ‘infantis’ – o que acaba por produzir, na expressão usada por ele, o ‘desaparecimento da infância’.

Mas a aceleração não é só mental. Parece óbvio que assistir cenas sensuais ou eróticas produz uma aceleração no desenvolvimento sexual. A esse respeito, Brown e colaboradores (2006) mostraram o efeito da TV em relações sexuais precoces. Os autores examinaram adolescentes, primeiramente entre 12 a 14 anos e depois 2 anos mais tarde. Usando uma autoavaliação com áudio de computador, os examinados relataram exposições a TV, música, cinema e revistas durante um mês. Em seguida os pesquisadores analisaram o conteúdo sexual dos meios de comunicação e criaram um índice composto para cada nível de exposição. Eles encontraram que os 20% de adolescentes com mais exposição a transmissões explicitamente sexuais aos 12 a 14 anos tinham 2,2 vezes mais chance de ter tido relação sexual dois anos depois dos que estavam nos 20% de menor exposição. Novamente temos aqui o que denomino de elaborate elucidation of the obvious. Qualquer pessoa com um pingo de bom senso diria que a exposição a atos que envolvem algo relacionado com sexualidade (em minha opinião, desde os beijos ardentes!) leva as crianças e jovens a acelerarem seu desenvolvimento sexual. Um desenvolvimento sexual precoce obviamente significa uma perda parcial da infância e da juventude e uma aceleração indevida da maturação.

A aceleração da sexualidade é apenas uma das graves acelerações que os meios eletrônicos produzem. Obviamente, quando uma criança assiste um programa de TV que não é próprio para sua idade, algo de ruim está acontecendo, pois ela não pode absorver adequadamente o conteúdo.

O problema geral da aceleração precoce deve-se ao fato de que o ser humano é um todo, é um ser holístico. Qualquer desenvolvimento unilateral significa a produção de um desequilíbrio. Por exemplo, no caso da aceleração da atividade sexual, isso claramente coloca o jovem face a questões que deveriam requerer uma boa dose de maturidade emocional e mental. Por exemplo, o uso de preservativos é uma questão de responsabilidade, seja em relação à saúde quanto à gravidez em meninas adolescentes. Mas não há um desenvolvimento da responsabilidade ao haver uma aceleração da sexualidade. Igualmente, não há um desenvolvimento psicológico para enfrentar os problemas emotivos que aparecem com as relações sexuais.

Em educação, há idade para tudo. Esse é um dos princípios fundamentais da Pedagogia Waldorf (Lanz 1998), que é uma das principais fontes de seu sucesso: nela há um cuidado extremo em não acelerar o desenvolvimento das crianças e jovens, com especial ênfase ao cuidado de não haver um desenvolvimento intelectual precoce. Por isso, nessa pedagogia, as crianças só aprendem a ler, e muito vagarosamente, a partir dos 61/2 ou 7 anos de idade. Visite-se um jardim de infância Waldorf para entender, vendo, o que quero dizer com preservação da infantilidade. Estou para encontrar uma única pessoa que não se entusiasme com o que é feito nesses jardins e reconheça que neles as crianças são muito mais felizes e infantis. Para uma lista deles no Brasil, veja-se o diretório de jardins de infância Waldorf no Brasil.

5.15 Prejuízo para a criatividade

O que é ser criativo? (Seria interessante o leitor tentar responder antes de continuar.)

Em uma palestra que assisti dada pelo conhecido sociólogo italiano Domenico Di Masi (o propugnador da ‘cultura do lazer’), ele deu uma caracterização muito boa: criatividade é a confluência de fantasia com ‘concretividade’. Fantasia é a capacidade de se ter ideias novas, sob forma de conceitos ou imagens. ‘Concretividade’ é a capacidade de se realizarem as ideias na prática, construindo objetos, instituições, situações sociais, que sejam úteis, para a própria pessoa ou para a sociedade. Com muito humor, ele disse que uma pessoa que só tem fantasia e nenhuma ‘concretividade’ é um diletante, isto é, cultiva algo que não serve para nada. (A propósito, todos os anos eu conto isso para meus alunos e, invariavelmente, nenhum sabe o que é diletantismo – para mim, uma demonstração de falta de leitura.) Por outro lado, uma pessoa que só tem concretividade e nenhuma imaginação é um verdadeiro burocrata, incapaz de sair das regras que determinam todas as suas ações.

Pois bem, como vimos nos itens 2 e 4, a TV apresenta sempre imagens prontas, em geral sucedendo-se em grande rapidez. Com isso, ela impede a criação de imagens mentais próprias, prejudicando, com o tempo, a capacidade de criá-las interiormente. Isso é particularmente trágico com crianças, que devem passar pela fase de viver na fantasia. Por exemplo, para uma criança pequena tudo é animado, tem vida; assim, é correto um pai censurar uma cadeira na perna da qual uma criança tropeçou. Uma criança que perdeu a capacidade de fantasiar não se comporta mais como criança sadia; provavelmente, será um jovem ou adulto com problemas psicológicos, de aprendizagem e, quem sabe, sociais. Típico desse tipo de criança é a incapacidade de inventar constantemente novas brincadeiras, o que deveria ser absolutamente normal. Esse era o caso de meus 4 filhos quando eram pequenos – apesar de não termos tido TV em casa, eliminando assim o mal pela raiz, as crianças da vizinhança adoravam vir brincar em nossa casa, pois as nossas não paravam de inventar novas brincadeiras. Aliás, todos os 4 são ainda muito criativos (a mais velha tem 42 anos), sempre me surpreendendo pela criatividade; certamente a educação escolar Waldorf, com sua intensa atividade artística em todas as séries, ajudou imensamente nesse ponto. Meu terceiro filho tornou-se aos 34 anos vice-presidente para o Brasil de uma das maiores empresas de software do mundo, graças, parece-me, à sua fantástica habilidade de liderar pessoas carinhosamente e de resolver criativamente conflitos sociais e profissionais.

Segundo Thakkar, Garrison e Christakis (2006), “Psicólogos descrevem a imaginação do brincar infantil como importante para o desenvolvimento cognitivo, moldando as maneiras com que as crianças interagem com seu ambiente.” Patzlaff (2000) tem uma seção dedicada ao fato de se dever incentivar a criação de imagens interiores. Ele cita o fisiologista especialista nos sentidos Horst Prehn: “Em crianças que sentam de 10 a 15 horas diárias frente à TV, o córtex cerebral é vazio como um deserto. Elas sofrem uma perda total da capacidade de imaginação. Algumas crianças não tem nem mesmo a capacidade de desenhar de memória um objeto de uso diário como uma xícara.” Patzlaff cita ainda um artigo de D. Singer (1995) em que esta diz: “Comparando-se os dados sobre comportamento ao brincar e consumo de TV, verificamos que aqueles que menos viam televisão tinham a maior fantasia.”

Para se ter ‘concretividade’, é necessário ter um profundo conhecimento e senso prático da realidade do mundo e do relacionamento social. Portanto, ela também é prejudicada pela TV, pois nela tudo é virtual, prejudicando-se o senso da realidade necessário para realizar coisas práticas úteis, ou mesmo, no caso de crianças e jovens, não se chegando a desenvolvê-la. Isso é particularmente trágico com relação a crianças de menos de 8 anos de idade, pois ainda não distinguem claramente fantasia de realidade (ver item 5.12). Assim, a TV prejudica a criatividade.

Uma das conseqüências trágicas da aceleração do desenvolvimento abordada no item anterior é justamente o prejuízo que isso traz para a criatividade. De fato, quando ainda não deturpadas pela TV e pelos outros meios eletrônicos ou uma intelectualização precoce, quase todas as crianças são extremamente fantasiosas. Antes dos 9 anos, pode-se dizer que, quando ainda são saudáveis, elas ‘vivem no mundo da fantasia’. Uma das coisas perniciosas garantidas que faz a educação normal no lar e na escola é matar essa fantasia. Ora, poder-se-ia dizer que o adulto imaginativo, que sabe fantasiar, é aquele que preservou essa capacidade desde sua infância. Infelizmente, matando a fantasia na idade infantil, não se conseguirá ter um adulto imaginativo e criativo.

Encontrei algumas pesquisas ou textos sobre esse tema, inclusive na resenha de Thakkar, Garrison e Christakis (2006), mas somente em relação ao ‘brincar imaginativo’. Vandewater, Bickman e Lee (2006) fizeram uma pesquisa com crianças, por meio de questionários. Eles levantaram várias influências da TV, entre elas no que denominam ‘brincar criativo’ (creative play), em oposição ao ‘brincar ativo’, que envolve atividades físicas. “Descontando interações sociais, assistir TV mostrou que a maior relação negativa foi com o tempo que crianças dedicam ao brincar criativo. … nossos resultados estão de acordo com pesquisas experimentais examinando o impacto da TV na criatividade de crianças na zona rural canadense. Especificamente, Williams (1986) e seus colaboradores descobriram que crianças que viviam numa comunidade sem televisão inicialmente obtinham mais pontos em uma medida de criatividade que crianças com acesso ou a um só canal de TV ou a múltiplos canais. Entretanto, uma vez introduzida a TV, os pontos de criatividade dessas crianças caíram a níveis semelhantes aos das crianças com TV.”

No entanto é preciso cautela quanto a isso, pois os autores não citam o tipo de ‘brincar imaginativo’ envolvido. Depois de assistir algum programa na TV é óbvio que crianças pequenas quererão imitar os personagens, aparentemente fantasiando. Mas, na verdade, pode-se tratar de pura imitação, e não de criatividade; é conhecida a influência do horroroso programa violento ‘Power Rangers’ nos gestos de crianças. Tenho certeza que, como sempre ocorreu, minhas considerações conceituais colocadas acima poderiam ser comprovadas cientificamente.

Citei neste item a questão do prejuízo que a TV faz para a capacidade de fantasiar, isto é, ter novas idéias. Estou seguro de que a TV prejudica a capacidade de pensar como um todo pois, como discorri no capítulo 3, ela abafa o pensamento. Isso é particularmente trágico com crianças e adolescentes, que justamente estão desenvolvendo-o.

5.16 Autismo

Waldman, Nicholson e Adilov (2006) fizeram um rigoroso e extenso estudo mostrando uma alta correlação entre crianças bem pequenas (menos do que 3 anos de idade) verem TV e aumento na incidência de autismo infantil. Eles citam dados de que na década de 1970 nos EUA uma em cada 2.500 crianças eram autistas, ao passo que atualmente a proporção aumentou mais de 9 vezes, para uma em cada 166 crianças. Em 1991 foram passadas leis naquele país obrigando a relatar casos de autismo; seria de se esperar que os casos citados aumentassem, o que realmente aconteceu, mas também seria de se esperar que, depois de alguns anos, o aumento do número de casos se estabilizasse, o que não ocorreu. Por exemplo, segundo o Ministério da Educação americano (US Department of Education) em 4 anos a partir de 1999-2000 o número de casos de autismo mais do que duplicou. Os autores citam estudos estimando custos anuais para o autismo de 35 bilhões de dólares naquele país. Desde 1964 sabe-se que há fatores genéticos envolvidos no autismo, mas que deve haver algum fator externo que o dispara. Eles acabaram por encontrar que “… os dados de longo prazo de taxas de autismo são consistentes com a hipótese de que a TV é um disparador para o autismo em crianças que começam a ver TV muito cedo.”

5.17 O problema do vício

Parece-me que a TV vicia pois o telespectador acostuma-se em entrar no estado de sonolência descrito no capítulo 3. Nesse estado, ele fica com o pensamento abafado e, portanto, alienado de sua realidade, deixando de se preocupar, enquanto a assiste, com os problemas de sua vida – até mesmo com a fome! Crianças e adolescentes tendem também a viciar-se na TV, o que é bem caracterizado pelo fato de, se chamados pelos pais, não querem parar de assisti-la, como se estivessem viciados nela. A esse respeito, é importante citar o trabalho de Christakis e Zimmerman (2006), onde eles examinaram dados de 1.331 crianças, que assistiram em média 2,64 horas de TV antes dos 4 anos e 3,62 horas na idade de 6 anos. Como resultado, “Concluímos que exposição muito cedo [early exposure] à TV foi associada com um aumento da probabilidade de resistência a desligá-la na idade de 6 anos. Este resultado estava presente mesmo quando foi feito um controle sobre um número de fatores que poderiam perturbar o resultado, incluindo o número de horas de TV assistidas na idade de 6 anos e características de comportamento tanto na idade de 4 como de 6 anos que poderiam predispor as crianças a protestarem.” Eles conjeturam que esse resultado pode ser devido à criação de hábito ou dependência de ver TV, “… entretanto, parece plausível que a exposição à TV durante períodos críticos de desenvolvimento do cérebro poderia induzir uma necessidade crescente por ela. Em segundo lugar, nossos resultados sugerem que uma ação preventiva pode ser tomada com respeito ao interesse na TV por crianças em idade escolar: limitar a exposição de crianças pequenas à TV durante os primeiros 4 anos de idade pode diminuir seu interesse por ela posteriormente.” Ora, pois, se limitar é bom, cortar de vez é muito melhor! Este é um exemplo típico de autores que não tem coragem de propor a eliminação praticamente total da TV.

Crianças e adolescentes são, naturalmente, muito mais propensos a se viciarem no uso de meios eletrônicos, simplesmente por não terem uma autoconsciência e um autocontrole tão desenvolvido quanto os adultos. Além disso, com eles os efeitos negativos do vício são obviamente muito maiores do que com adultos, pois os primeiros estão em formação. O estudo de Ennmoser (2003) mostrou que o tempo de ver TV em crianças pequenas prediz o tempo de ver TV em idades infantis posteriores (ver item 5.10); o de Johnson et al. (2007) deu o mesmo resultado com adolescentes (ver item 5.11). Assim, ver TV em uma certa idade infantil ou juvenil induz a ver TV mais tarde, o que pode ser considerado uma espécie de vício.

Na cidade de Denver, Colorado, EUA, o jornal Denver Post convocou em 1974 famílias para fazerem a experiência de desligar a TV durante um mês (ver, p.ex. uma nota sobre essa experiência); naquela época não havia ainda surgido movimentos como ‘desligue a TV por um dia’ ou ‘por uma semana’. 25 famílias inscreveram-se, mas apenas 15 conseguiram manter a TV desligada por um mês inteiro. Nos relatórios preenchidos por essas famílias, todas disseram que o começo foi dificílimo, pois as pessoas não sabiam o que fazer, havia brigas constantes na família, etc. No entanto, todas relataram que, com o passar do tempo, cada pessoa encontrou algo para fazer, como ler, jardinagem, tocar um instrumento, conversar, etc. e relataram unanimemente que a qualidade de vida tinha melhorado muito. O mais impressionante da experiência é que, no seguimento feito pelo jornal, todas as famílias voltaram a ver TV! Em outras palavras, um mês não bastou para acabar com o vício.

5.18 Indução ao consumismo

Li em algum lugar que no Código de Hamurabi, elaborado em cerca de 1750 a.C., havia uma lei que, se um adulto vendesse algo a uma criança, ele devia ser morto. Infelizmente, não encontrei esse item nesse Código, mas vamos supor que ele seja verdadeiro – si non è vero, è ben’ trovato. Nesse sentido, que regresso fez a humanidade! Hoje em dia, abunda a propaganda ostensiva dirigida para crianças. A Academia Americana de Pediatria calcula que a criança média assista na TV mais de 20.000 anúncios comerciais por ano (AAP 2007). Certamente uma boa parte deles é dirigida às crianças, pois os anunciantes já perceberam há tempos que os desejos das crianças influenciam as compras dos pais, desde brinquedos até o modelo do automóvel novo.

A propaganda dirigida a crianças é absolutamente criminosa, pois elas não tem capacidade de crítica e de discernimento para decidirem o que é bom ou ruim, necessário ou desnecessário, para reconhecerem se a propaganda é enganosa (como uma boa parte é). Recomendo fortemente a leitura e estudo do extraordinário livro de Susan Linn Crianças do Consumo: a infância roubada (Linn 2006), onde ela expõe a situação da propaganda dirigida para crianças. Por exemplo, ela cita algo muito interessante: as empresas de propaganda fazem mais pesquisa em psicologia do que as universidades e institutos de pesquisa – para descobrirem como empurrar seus produtos. Ela revela que, se um produto é dirigido a alguma idade, a propaganda televisiva mostra crianças alguns anos mais velhas, pois crianças sempre querem ser mais velhas. Ela mostra também como certas propagandas induzem uma mentalidade totalmente errada, como por exemplo uma com o grotesco palhaço Ronald McDonald, que leva crianças para um concerto, para um museu, e outros locais culturais, onde se as vê bocejando de monotonia. Aí ele as leva a um McDonald’s e as crianças aparecem felizes, brincando, gritando, etc., obviamente comendo o típico junk food lá oferecido. Uma total inversão de valores! Outras propagandas são dirigidas explicitamente para as crianças chocarem-se contra os pais, ensinando-as como convencê-los a comprar o que elas querem.

Pais devem aprender a recusar pedidos de seus filhos para comprarem seja lá o que for. Essa compra não pode estar vinculada ao desejo dos filhos, mas a uma decisão independente dele. Às vezes esse desejo não provém de uma propaganda, mas daquilo que outras crianças estão usando. Vou citar um exemplo pessoal. Numa certa idade de minha filha mais velha, apareceram pela primeira vez sandálias de plástico; vendo outras crianças ou adolescentes usando-as, ela pediu um par. Recusamo-nos a comprar um, dizendo-lhe que plástico não é um material saudável para calçados, e que se ela precisasse de uma sandália, compraríamos uma que ela gostasse, mas de couro (que é o material que minha esposa usa até hoje). A propósito, minha filha não podia comprar por conta própria um par daquelas sandálias pois, como os outros nossos filhos, jamais ganhou mesada. Mesada serve para uma criança ou adolescente poder comprar coisas com as quais os pais não estão de acordo. Muitos pais acham que a mesada desenvolve uma noção do valor do dinheiro e de como usá-lo economicamente. Quem sabe isso é um fato, mas é totalmente desnecessário, pois como já citei no fim do item 5.14, há idade adequada para tudo. A vida vai mostrar ao jovem adulto como ele deve tratar do dinheiro, e o resto da vida ele terá que lidar com isso; para que começar precocemente com essa problemática? Assim, não é necessário (pelo contrário, é prejudicial) começar com isso na infância ou na adolescência. Isso ocorreu com meus 4 filhos: a mesada nunca foi necessária pois se necessitavam de algo razoável, eles o ganhavam, ou o dinheiro correspondente para a compra. Aos 18 anos, colocamos cada um em uma conta bancária conjunta conosco, de modo que pudessem gastar na medida das necessidades sem ficar pedindo para nós e se justificando. O resultado foi excelente; nunca tivemos problemas com exageros, pelo contrário, às vezes tínhamos que ir fazer compras com eles pois eles não se sentiam bem em gastar o dinheiro da família e exageravam na economia. Claramente, esse resultado depende da maneira geral de educar as crianças e adolescentes. Como, por causa de nossas filhos, não tínhamos TV, eles não eram influenciados pela propaganda nela vinculada.De qualquer modo, a educação que lhes demos funcionou, e muito bem, não só nesse, mas em muitos outros aspectos.

Crianças não deviam ser levadas pelos pais a supermercados, shopping centers, etc. São locais muito agitados, e crianças precisam de calma. No entanto, se isso for inevitável, os pais devem, desde o começo, isto é, quando as crianças forem muito pequenas, acostumá-las a não terem seus desejos de compra satisfeitos. Se uma criança pede algo, esse algo não devia ser comprado, por princípio. É óbvio que, se uma criança deseja muito alguma coisa, e esta for educacionalmente saudável e adequada, poderá ganhá-la em uma ocasião especial, como seu aniversário. Mas jamais algo deveria ser comprado logo após o desejo manifestar-se. A criança que tem muitos de seus desejos satisfeitos acaba tiranizando e dominando os pais. Além disso, não se acostuma a suportar limites, naturais em uma vida social.

Não se deve subestimar o poder da propaganda na TV de influenciar as pessoas, principalmente crianças e adolescentes. Obviamente, grandes empresas não gastariam centenas de milhões de dólares por ano em propaganda na TV se ela não funcionasse! Como um exemplo concreto, Susan Linn, em seu excelente livro já citado, menciona que o McDonald’s, só em 2002, só nos EUA, só na TV, gastou US$ 510,5 milhões de dólares (Linn 2006). Um argumento que poderia ser dado seria que essas quantias milionárias são gastas na propaganda na TV pois é o veículo de comunicação mais difundido. Só que, repito, esse gasto não existiria se essa propaganda não funcionasse, isto é, não condicionasse os telespectadores ao consumo. Depois de verem muita propaganda do McDonald’s crianças, adolescentes ou adultos passam na frente de uma lanchonete dessa rede, e sentem vontade de comer algo nela, sem saberem por que. O relatório sobre TV da Kaiser Family Foundation, uma organização muito confiável, relata que 83% dos pais de crianças de 4 a 6 anos e 77% dos pais das de 2 a 3 anos afirmaram que essas crianças imitam o comportamento visto na TV; já crianças de menos de 2 anos imitam muito menos (27%) (Rideout e Hamel, 2006). Essa imitação de comportamento é natural para crianças de menos de 7 anos na vida real (ver o item 5.12); no entanto, como se vê, aplica-se também ao que é visto na TV, o que é um prato cheio para a propaganda.

Minha esposa Sonia tem uma interessante teoria: crianças adoram ver propaganda na TV pois é a única coisa que se repete, e elas adoram repetições e ritmos (que serão tratados em detalhe no item 5.23). Logo depois de eu ler um livro infantil para minha netinha Luana, com 4 anos na época em que escrevi o original deste artigo, ela imediatamente dizia “de novo!” mostrando como crianças adoram repetições. Repetição constante é uma das técnicas de condicionamento usada pela propaganda.

Há alguns anos atrás, li em uma coluna de Betting que, no Brasil, 2/3 dos gastos totais com propaganda iam para a TV. A propaganda na TV funciona pois, como vimos no capítulo 3, o telespectador está normalmente em estado de sonolência, não critica o que vê, e tudo é gravado em seu subconsciente – a situação ideal para a propaganda que, como vimos no capítulo 4, é a técnica de fazer as pessoas comprarem o que não necessitam, ou o que é mais caro, ou é de qualidade inferior. Seria terrível para a propaganda se os seus receptores criticassem-na, verificando os argumentos usados, comparando mentalmente com outros produtos, etc. – nada disso um telespectador normalmente consegue fazer! No ensaio Setzer (2000) mostrei o casamento perfeito entre TV e violência. Acontece que na verdade a TV é bígama (ou melhor, biândrica) pois há também o seu casamento perfeito com a propaganda.

Um outro aspecto é que a indução do desejo de consumir um produto vai frontalmente contra a liberdade individual. Isso é particularmente trágico com crianças e adolescentes, que deveriam lentamente desenvolver sua liberdade, até poder exercê-la plenamente aos 21 anos de idade. Em lugar disso, são condicionadas pela propaganda. Note-se que o estabelecimento da idade de 21 anos para a responsabilidade civil remonta a uma antiga sabedoria sobre o desenvolvimento do ser humano. O correto seria as empresas fazerem promoção de seus produtos, isto é, anunciarem objetivamente suas características e qualidades, e não convencerem as pessoas a comprarem-nos.

Além do ataque ao livre arbítrio (uma de minhas hipóteses fundamentais de trabalho é que ele pode existir em qualquer ser humano, ver Setzer 2002, onde a justifico), a propaganda claramente apela para o egoísmo, a ambição e a competição. Penso que elas estão entre as fontes principais da degeneração social que estamos presenciando no mundo todo. As crianças deveriam ser educadas para a compaixão, o altruísmo e a cooperação, caso contrário a presente degeneração vai continuar.

Uma das causas do aumento brutal do excesso de peso e obesidade, como visto no item 5.1, é a ingestão de salgadinhos, docinhos e refrigerantes, induzida pela propaganda vista na TV. Isso se soma à inatividade física e mental do telespectador, como vimos no capítulo 3. A propósito, refrigerantes são absolutamente desnecessários, ao contrário, são prejudiciais à saúde, devido ao grande conteúdo de açúcar e de aditivos. Jamais eu e minha esposa tivemos ou temos refrigerantes em casa; nos aniversários de nossas crianças servíamos sucos naturais. (A propósito, fui eu quem introduziu em português o uso popular da expressão “produtos naturais”, em 1976.)

É importante citar aqui o esforço enorme que o Instituto Alana de São Paulo está fazendo para evitar que propaganda seja dirigida às crianças. Ele tem um setor dedicado exclusivamente a essa campanha, tendo feito várias ações jurídicas no sentido de impedir a veiculação de propaganda para crianças, por exemplo as vinculadas a brindes infantis que vêm com o produto comprado. Em particular, o Instituto editou o vídeo Criança, a Alma do Negócio, que mostra muito bem o problema de crianças serem influenciadas pela propaganda, querendo que os pais comprem o que assistem pela TV, e como os pais sentem-se impotentes para recusar. O Instituto Alana editou ainda o excelente livreto Por que a publicidade faz mal para as crianças, que pode ser solicitado diretamente em seu projeto Criança e Consumo. Nesse folheto, há um ponto muito interessante: a propaganda sempre acaba por produzir nas crianças um desdém pelos pais, pois estes não conseguem comprar tudo o que elas passam a desejar a partir da propaganda televisiva. Nele encontra-se uma analogia também muito interessante: ninguém pode entrar em uma casa qualquer e dizer às crianças da família o que é bom para elas – pois isso é justamente o que faz a TV.

Uma notícia recente relata que a TV Cultura de São Paulo deixou de transmitir propaganda nos intervalos de seus programas infantis. Obviamente, isso foi feito por ela ter reconhecido, infelizmente tardiamente, o mal que isso representa. Assisti programas infantis dessa emissora na tarde de 1/12/08, antes de ser entrevistado no programa ‘Roda Viva’ daquela noite. Como eu esperava, os programas transmitiam figuras grotescas, absolutamente inapropriadas para crianças – seguindo a recomendação da Associação Médica Americana, a TV Cultura anuncia que os programas são para crianças de mais de 2 anos; se os pais seguirem a recomendação, pelo menos até aí elas estarão salvas! Mas fiquei particularmente horrorizado com as propagandas transmitidas nos intervalos, inclusive com cenas de muita violência associadas a alguns brinquedos de guerra ou luta. Infelizmente, os canais comerciais não farão a mesma restrição, pois isso seria um suicídio comercial, como mencionou Centerwall (1992), já citado no capítulo 4. Vale a pena lembrar o que ele afirmou: o negócio da TV comercial é vender número de telespectadores aos anunciantes. Nada mais fácil do que vender crianças e adolescentes, se os pais erradamente deixam-nos assistir TV.

A seguir são enumerados efeitos adicionais, não abordados no meu artigo sobre efeitos negativos dos meios eletrônicos (Setzer 2008a), pois não foram encontradas pesquisas que os corroborassem.

5.19 Condicionamento e não informação

Como vimos no capítulo 3, o estado normal de um telespectador é de sonolência, ou semi-hipnótico, e tudo o que é visto e ouvido fica essencialmente gravado no subconsciente ou mesmo no inconsciente profundo, não podendo ser lembrado conscientemente. Naquele capítulo, foi descrita uma experiência que qualquer um pode fazer para comprovar isso: deixar alguém assistir o noticiário nacional e perguntar depois quais notícias assistiu; em geral as pessoas lembram de pouquíssimas notícias. Com isso, a TV acaba condicionando, muito mais do que informando, pois a aquisição de informação exige que ela permaneça no consciente, possa ser lembrada e se possa refletir sobre ela e criticá-la. No item 5.18 foi mostrado como a TV é o veículo ideal para a propaganda, que justamente procura condicionar a pessoa a ter vontade de comprar algum produto.

Algumas pessoas dizem que não tem tempo de ler o jornal, e ‘informam-se’ vendo um noticiário na TV. Em primeiro lugar, quem não tem tempo de ler diariamente um jornal está com algo profundamente errado na vida. Em segundo, é importante saber lembrar que “uma foto diz mais do que 1.000 palavras”. De fato, vejam-se os dizeres em baixo de qualquer foto de jornal ou revista: apenas uma linha, do tamanho horizontal da foto. A TV mostra uma sequência de fotos, de modo que não necessita de muitas palavras. De fato, li em algum lugar que o texto falado nos noticiários da TV equivalem, em quantidade de palavras, a duas colunas de jornal. Isso é informar-se?

A imprensa é o veículo de comunicação que mais preserva a liberdade e a individualidade do receptor, pois ele pode ler no ritmo que quiser, repetir a leitura, interrompê-la para refletir sobre ela, etc. E, principalmente, durante ela ele é obrigado a prestar atenção, criar imagens mentais e associar conceitos, justamente o que não se passa ao assistir TV. Ora, um condicionamento vai contra a liberdade. Portanto, a TV é contrária à liberdade.

É lógico que alguma informação pode ser guardada pelo telespectador, mas ela é ínfima se comparada com a leitura atenta de um texto sobre o mesmo assunto. Obviamente, a TV apresenta imagens em movimento, o que um livro ou jornal não pode fazer – a menos do uso de sistemas multimídia, com texto, imagens e filmes. Mas em quantos casos é importante complementar o texto com imagens e filmes? Ou será que se trata mais de um caso de atrair o telespectador, do que a necessidade de mostrar-lhe imagens?

Resumindo: a TV em geral condiciona, não informa.

É atribuída a Michael Garrett Marino a frase “Especialista é a pessoa que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, até saber tudo sobre nada.” Minha paráfrase é “Telespectador é a pessoa que sabe cada vez menos sobre cada vez mais, até saber nada sobre tudo.”

5.20 Paralisia mental

Como vimos nos capítulo 3, nos itens 5.18 e no anterior, a TV ‘desliga’ o pensamento consciente. Ora, ele é essencial para levar à compreensão de um objeto ou fenômeno visto, por meio de um pensamento ativo. Acostumando-se a ver as imagens e não pensar sobre o que está vendo, o telespectador começa a perder a curiosidade de procurar explicação para coisas que não compreende. Um exemplo típico é o fato de pouquíssimas pessoas compreenderem por que um avião voa. A explicação é muito simples, e facilmente demonstrável: basta encostar uma folha de papel fino embaixo do lábio inferior e soprar por cima dela – ela vai levantar, pois o ar em cima da folha está com velocidade maior do que embaixo, como na asa de um avião, cuja superfície superior é mais curva, e portanto maior do que a inferior. Ora, todos veem aviões voando, por que quase ninguém tem a curiosidade de se perguntar o porquê disso, e procurar a explicação? Há duas possibilidades que me ocorrem para explicar esse fato. As máquinas estão cada vez mais complexas, e as pessoas acham que não podem compreendê-las. Esse é, por exemplo, o caso da injeção eletrônica dos automóveis – antes dela, um mecânico ou qualquer pessoa podia compreender perfeitamente todo o funcionamento de um motor a explosão. Aliás, qualquer máquina digital tem a característica de não adiantar ser desmontada para se compreender o seu funcionamento: ao abrir-se um circuito integrado (chip), destroem-se seus circuitos, e nem seria possível deduzir o que fazem examinando-se seu interior. Uma outra possibilidade pode ser o fato de, ao ver TV, o telespectador normalmente não poder pensar e, com isso, não procurar mais explicações para os fenômenos que vê. Isso é uma verdadeira paralisia mental, que é ruim nos adultos, mas é trágica em crianças e adolescentes, por justamente estarem formando sua mente, e deveriam aso poucos desenvolver a ânsia de compreender o mundo.

A curiosidade para compreender conceitualmente é uma característica essencialmente humana. Se essa curiosidade é diminuída, o ser humano é diminuído em sua humanidade.

5.21 Indução de mentalidade de competição

É um fato que a TV transmite muita competição. De um lado, trata-se da transmissão de competições esportivas; de outro, a competição capitalista de um produtor ou empreendedor contra outro, ou de pessoas que tiveram sucesso competindo. Com isso, ela induz a mentalidade de que competição é benéfica. Ora, como já foi visto em 5.4, qualquer competição é antissocial. A situação é terrível para crianças e adolescentes que, por estarem em formação, passarão a achar que competição é algo natural. De fato, ela é natural, mas o ser humano não é um ser puramente natural. Ele pode ser altruísta, o que não ocorre nos animais. De fato, animais são simplesmente naturais: sempre agem por instinto ou pelo condicionamento sofrido do meio ambiente, de modo que não existe altruísmo entre eles. Um animal (e também um vegetal) está em uma permanente e inglória luta pela sobrevivência de si mesmo e da espécie. Uma ação verdadeiramente altruísta deve ser feita em plena consciência e em liberdade, e isso só o ser humano pode fazer. Como afirmei no item 5.18, uma de minhas hipóteses de trabalho fundamentais é que o ser humano pode ter livre arbítrio.

Portanto, a TV educa principalmente para a competitividade, e não para a cooperação.

5.22 Destruição da vida familiar

Como vimos no capítulo 4, o telespectador normalmente está em um estado de sonolência, semi-hipnótico. Ora, se toda a família está vendo TV, cada um fica nesse estado, e não há mais interação entre as pessoas. Como vimos em 5.13, os pais estão falando cada vez menos com seus filhos. O extraordinário libelo contra a TV que é o livro de Neil Postman (1987), tem em sua capa a figura de uma TV em primeiro plano, e atrás dela, sentados, os dois pais e uma filha, bem como uma criança no colo do pai. Estão todos sem cabeça, isto é, não pensam e não falam, e se vê principalmente o tórax de cada um, indicando que as emoções estão ativas.

A destruição da vida familiar ainda é pior se há vários aparelhos de TV na residência, e cada membro da família usa um para ver seu programa ou DVD favorito.

Em 5.3 mencionei o fenômeno da ‘babá eletrônica’. De fato, o excelente estudo da Kaiser Family Foundation, já citado em 5.1 e 5.18, relata que nos EUA 84% das famílias com filhos entre 6 meses e 6 anos tem dois ou mais televisores, e 24% com quatro ou mais. Esse estudo revelou que muitos pais dão um televisor para seus filhos (parece-me que, em geral, o aparelho velho quando compram um novo para si), para que os primeiros possam ver seus programas preferidos. É óbvio que aí existe ainda mais separação dos membros da família do que todos vendo um só aparelho. Do ponto de vista das crianças e adolescentes, o trágico é que os pais deixam de fazer atividades específicas com eles, tais como brincar, ler, conversar, contar histórias, passear, jogar bola, etc.

5.23 Falta de sono saudável e de ritmo

Um sono saudável é absolutamente essencial para a saúde e desenvolvimento harmônico de crianças e adolescentes. Depois de ver TV antes de dormir, como as crianças poderiam ter um sono saudável, tendo absorvido milhões de imagens e tendo sofrido uma quantidade enorme de sobressaltos devido à invariável violência e tensão transmitidos por ela? Antes de irem dormir, as crianças necessitam de um período de calma, da maior tranquilidade possível, fazendo-se assim uma transição da agitação diurna incentivando fortemente a consciência, para a total inconsciência do sono profundo. Nesses termos, pior do que verem TV antes de irem dormir, só mesmo jogando vídeo games, mas este artigo não trata deles.

Thompson e Christakis (2005) fizeram o primeiro estudo estatístico para verificar, em crianças de 4 a 35 meses de idade, a correlação entre assistir muita TV e ter irregularidade no sono: “Estudos mostraram que assistir TV ou video tape é associado com ir tarde para a cama e distúrbios do sono entre crianças em idade escolar e adolescentes. Um estudo longitudinal [isto é, levantando dados em várias idades para os mesmos sujeitos] demonstrou que níveis altos de assistir TV durante a adolescência pode levar ao desenvolvimento de problemas de sono na idade adulta jovem.” Para seu estudo, eles usaram como critério horários irregulares de sono, seja na sesta quanto à noite. Tinham horários irregulares de sono na sesta 34% das crianças, e 27% à noite. “Encontramos o fato de que assistir TV em crianças pequenas é associado com um risco maior de haver um horário irregular para o sono. Isso foi independente de muitos outros fatores que poderiam afetar o horário de dormir de uma criança, como socioeconômicos e demográficos, saúde materna e interações familiares, assim como habilidade paterna de manter horários regulares para as refeições. Esses resultados são potencialmente importantes, por que um horário rotineiro para o sono é um componente crítico para garantir um bom sono [são dadas 5 referências]. Horários irregulares podem levar a um tempo de sono inadequado e a problemas de sono. … Consequências para as crianças podem incluir problemas de humor [mood], comportamento, aprendizado, e resultarem em saúde precária.”

Dei-me ao trabalho de transcrever vários trechos desse artigo pois me causa profundo dó ver crianças sem horários regulares para refeições e para ir dormir, isto é, sem ritmo. O ideal para dormir é seguir o próprio ritmo do dia e da noite, como os animais que não são notívagos sabiamente o fazem, por instinto. Eu e minha esposa, para nossos 4 filhos, bem como minhas 3 filhas para meus 6 netos, sempre fizemos questão absoluta de manter horários relativamente rígidos para refeições e para ir dormir, estabelecendo com isso vários ritmos diários. Nesse sentido, Thompson e Christakis escrevem: “… horários irregulares de refeições foram associados com horários irregulares de sestas e de ir dormir à noite”, isto é, quando há irregularidades de horário, elas são normalmente gerais, em todos os aspectos da vida familiar.

Crianças pequenas necessitam de ritmo, adoram repetições e rituais, como eu já discorri no item 5.18. Vou dar aqui um depoimento pessoal. Quando as nossas crianças pequenas iam para a cama à noite (a menos de casos excepcionais, nunca após as 20h00, pois como já relatei, o sono durante a noite é muito mais saudável do que quando já está claro, pela manhã), nós sempre juntávamos toda a família presente em casa, acendíamos uma vela para cada criança, fazíamos uma oração (ecumênica – ver o Apêndice), cantávamos uma pequena canção bem calma (sempre a mesma, também no Apêndice), desejávamos boa noite com um beijo, e aí apagávamos as velas. Minhas filhas fazem o mesmo com meus netinhos. Esse ritual era tão importante para nossos filhos que o maior castigo que podíamos ameaçar era de não cumpri-lo ao irem dormir. Essa nossa cerimônia de ir para a cama servia de excelente passagem da agitação e impulsos do dia, que continuamente incentivam os sentidos e a consciência, para a calma e a total inconsciência do sono profundo noturno. É interessante notar que nossas 2 filhas mais velhas sempre faziam questão de acompanhar o ritual dos 2 menores (a diferença de idade da 2ª para o 3º é de 4 anos). É reconfortante ver pesquisadores, como Thompson e Christakis citados logo acima, confirmando aquilo que tínhamos deduzido conceitualmente. Só que nós já o fazíamos há mais de 40 anos atrás. Aliás, ritmos e rituais eram antigamente parte integrante da educação de crianças; infelizmente, perderam-se tanto a intuição de que isso é uma necessidade, como as tradições nesse sentido. Porém, uma compreensão profunda do que significa a infância (que era o nosso caso) leva a essas atitudes. Para os que não a tem, espero que os artigos científicos como o de Thompson e Christakis mostrem o que deve ser feito.

Obviamente a TV destrói o ritmo da família. Toda hora é hora interessante para ver TV, inclusive o das refeições e de ir dormir.

5.24 Massificação

O telespectador está vendo algo na tela que não é transmitido especialmente para si próprio, mas para para uma quantidade enorme de pessoas. Assim, ele é tratado pelos produtores dos programas como um ente abstrato, sem individualidade. Em outras palavras, o telespectador é massificado. Ele vai sendo condicionado da mesma maneira que milhões de outros vendo o mesmo programa, por exemplo a gostar das mesmas coisas e a desejá-las.

Poder-se-ia objetar que a leitura também é um meio de comunicação de massa: um livro é o mesmo para todos os seus leitores. Acontece que a situação é totalmente diferente; como vimos no capítulo 3, a mente do leitor está sempre muito ativa, pois ele tem que criar interiormente as imagens do que está sendo descrito, ou associar os conceitos do que ele lê. No caso da TV, como vimos naquele capítulo, devido à avalanche de imagens o telespectador não consegue criar suas próprias, diferentes das que está assisitindo, mas associadas a elas, e nem consegue associar conceitos conscientemente, pois esses tipos de pensamento são muito lentos.

5.25 Indução de impulsividade e negatividade

Vimos que a TV atinge principalmente as emoções. Em termos delas, o ideal é que o indivíduo se conscientize do que está sentindo, mas não seja levado pelos seus sentimentos ao agir. Uma pessoa age tanto mais humanamente quanto mais reflete, antes, sobre as possíveis consequências de seus atos. Os animais não tem essa capacidade: eles agem sempre segundo seus instintos e condicionamentos. Agindo sobre os sentimentos, e abafando o pensamento consciente, a TV acaba por induzir a pessoa a agir segundo suas emoções. Isso é particularmente grave com crianças e adolescentes, que estão desenvolvendo sua capacidade de refletir e refrear seus impulsos. Isso não significa que a pessoa torne-se fria, insensível; deve-se prestar atenção aos sentimentos, e talvez até segui-los em uma ação, mas o importante é tomar essa decisão conscientemente. Por exemplo, uma pessoa pode ser apresentada a outra, e achar à primeira vista que esta última é extremamente antipática. No entanto, esse sentimento não deveria orientar as ações da primeira, pois ele pode ser devido a associação com outra pessoa parecida que fez algum grande mal à primeira. Assim, deve-se procurar conversar com ela, e é possível que essa primeira impressão desapareça, dando lugar a uma simpatia. Note-se que antipatia e simpatia são sentimentos típicos, mas mais básicos ainda são os de atração e repulsa. O contrário da impulsividade é a serenidade.

Como vimos no capítulo 4 e no item 5.4, a TV transmite principalmente o que é negativo, pois é isso que atrai o telespectador e atinge mais seus sentimentos. Com isso, ela acaba por induzir uma negatividade, isto é, procurar tudo o que é negativo em qualquer coisa. Aliás, isso é típico de uma atitude excessivamente crítica. Isso é particularmente ruim com crianças, pois elas vêm ao mundo esperando um mundo bom, e não mau e negativo. Isso deve provocar provavelmente muitos problemas psicológicos nelas, como frustração e medo. Além disso, um indivíduo com positividade, isto é, aquele que sempre procura ver o lado bom das coisas (não existe praticamente nada 100% mau ou 100% bom no mundo), é um indivíduo com maior coragem e confiança para enfrentar as agruras da vida, e provavelmente será também mais criativo.

5.26 Indução de admiração pelas máquinas

A TV envolve altíssima tecnologia. Com isso, há uma tendência natural de os programas salientarem as maravilhas das máquinas, e serem pouquíssimo críticos em relação aos seus aspectos negativos. O filósofo Heidegger já havia dito que um dos maiores problemas da tecnologia é ela dar a impressão de ser neutra: “… nós nos entregamos a ela [we are delivered to it] da pior maneira possível quando a encaramos como algo neutro.” (1977.) Nenhuma máquina é neutra, todas produzem algum efeito negativo. Só se poderá colocar as máquinas em seu devido lugar se se tiver conhecimento de seu funcionamento e dos problemas que elas causam, e um relacionamento objetivo com elas. O que está acontecendo é justamente o contrário, isto é, o ser humano está usando as máquinas sem consciência e sendo dominado por elas. A esse respeito, veja-se o meu ensaio “A missão da tecnologia” (Setzer 2007). Como sempre, essa questão de endeusamento das máquinas é particularmente ruim no caso de crianças e adolescentes, pois estão formado sua mentalidade e visão de mundo e são muito mais abertas a ele do que os adultos. Cito aqui um caso terrível: o brinquedo Tamagoshi, que fazia o papel de um animal do qual a criança devia cuidar, apertar um botão para “dar comida”, “dar água”, etc. Com isso, cria-se uma verdadeira aberração: um amor pelas máquinas.

A propósito, a rigor nada é neutro para o ser humano. Por exemplo, a leitura deste artigo deixará o leitor em um estado um pouco diferente do que tinha antes de lê-lo. Isso é devido ao fato de o ser humano incorporar todas as suas vivências, o que deve levar as pessoas a tomarem extremo cuidado com o que apresentam para as crianças, e lembrarem que todas as imagens vistas na TV ficarão gravadas para sempre no subconsciente ou no inconsciente, obviamente influenciando as atitudes mais tarde.

5.27 Indução de mentalidade materialista

Este item não fará nenhum sentido a alguém que se considera materialista – isto é, tem a fé ou adota a hipótese de que existem apenas processos, matéria e energia físicos no universo, particularmente nas plantas, animais e, em especial, no ser humano. Ele é dirigido às pessoas que se consideram espiritualistas, isto é, admitem, como hipótese de trabalho (minha atitude pessoal), ou como fé, que existem processos que não podem ser reduzidos a processos físicos. Para maiores detalhes, veja-se meu artigo “Ciência, religião e espiritualidade” (Setzer 2008b).

A TV é um produto de altíssima tecnologia, incorporando vários avanços da ciência. Com isso, os seus programas em geral procuram glorificar os avanços científicos e tecnológicos. Acontece que a ciência que é feita hoje em dia é essencialmente materialista. Assim, crianças e adolescentes acabam sendo induzidos pela TV a se tornarem materialistas. Há dois problemas em relação a isso.

Em primeiro lugar, toda criança pequena tem uma religiosidade natural. Pelo conteúdo dos programas da TV, essa religiosidade é destruída. Por exemplo, tomemos a linda imagem do Papai Noel. Ela deveria ficar no imaginário infantil como algo sobrenatural, e nunca ser representada, seja na tela da TV, seja por uma pessoa fantasiada na figura grotesca que se vê na época no Natal, em geral associada com consumismo. Vou citar aqui um caso pessoal. Quando eu tinha 10 anos, meus pais mudaram-se para uma outra casa. Nesta, havia uma escada de madeira, que rangia à noite, talvez pela mudança de temperatura ou de humidade. Pois eu tinha certeza de que eram anjinhos subindo ou descendo a escada… Qual a criança de 10 anos de hoje que ainda tem essa imaginação e religiosidade?

No livro de Richard Dawkins The God Delusion (2007, traduzido erradamente por Deus, um Delírio), o capítulo 9 combate o ensino religioso para crianças, inclusive alegando que isso lhes impinge uma religiosidade que as marcará pelo resto da vida. Como chamei a atenção em minha extensa resenha sobre esse livro, isso é um erro crasso (Setzer 2009). Ele mesmo confessa que teve um ensino religioso quando criança, o que não o impediu de se tornar totalmente materialista. Ele relata vários casos de exageros religiosos que foram praticados com crianças, inclusive com a tradicional ameaça de elas irem para o inferno se não se comportarem. É óbvio que estou totalmente de acordo com ele nesses casos. A existência desses lamentáveis casos, os únicos analisados por Dawkins, não invalidam a necessidade de uma criança ser educada em um ambiente de religiosidade. Mas o importante é que a TV em geral acaba com qualquer sentimento de religiosidade. É uma lástima que pessoas que se dizem religiosas não percebem isso – a menos de algumas correntes que, intuitivamente, percebem que há algo de profundamente contraditório entre espiritualidade e TV.

Em segundo lugar, a ciência materialista peca por ter um preconceito: o de que não existe nenhum processo no universo que não seja físico. Esse preconceito limita a própria pesquisa científica. Vou dar aqui um exemplo trivial desse fato. É tradição caipira que, para se fazer um telhado de sapé, este deve ser cortado no quarto minguante, pois senão ‘pega bicho’, isto é, fica mais sujeito a insetos, fungos, etc. É muito provável que nenhum cientista ponha-se a testar essa tradição, que talvez tenha centenas de anos e pode ser até originária de nossos índios. O cientista logo diria: “Isso é uma imensa bobagem, como a Lua pode influenciar as plantas dessa maneira?” Com isso, deixa-se de pesquisar algo que, eventualmente, poderia chegar a ser confirmado, o que ajudaria na colheita do melhor sapé para fazer telhados. Se, por outro lado, essa tradição não for confirmada, ótimo, ter-se-á a informação preciosa de que se tratava de uma crendice sem fundamento prático, e não deveria ser seguida. Lembremos que a influência dos astros sobre os seres vivos e o ser humano pertence à tradição mais longínqua da humanidade. Quem sabe há algo por detrás disso, e que deveria ser investigado por cientistas sem preconceitos. Um exemplo disso é a pesquisa do cientista britânico Lawrence Edwards, que estudou matematicamente a influência do alinhamento de planetas sobre a forma de brotos de plantas, com resultados surpreendentes; ver, por exemplo, o artigo de Jay Kappraff (sem data).

A ciência enfrenta muitos problemas, mas em geral os programas de TV que a abordam só mostram seus triunfos, e nunca seus fracassos. Além disso, em geral aquilo que deveria ser apresentado como mera teoria é apresentado como verdade. Alguém já viu algum programa de TV que tratasse da teoria da evolução neodarwinisita apenas como ela é, uma teoria, e não um fato científico? Ela está repleta de problemas, começando o fato de não se ter acompanhado a evolução há dezenas de milhares ou milões de anos atrás, passando pelos elos perdidos (por exemplo, há vários modelos conflitantes de aparecimentos e descendências de animais), passando pelo problema do aparecimento da fala humana, que não tem explicação evolutiva satisfatória, como mostrou muito bem o evolucionista Ian Tattersal (2001), ao escrever: “… não podemos atribuir o advento das capacidades cognitivas modernas simplesmente como a culminação de uma tendência de desenvolvimento do cérebro ao longo do tempo. Alguma coisa ocorreu além de um polimento [buffing-up] do mecanismo cognitivo. … temos que concluir que o aparecimento da linguagem e os seus correlatos anatômicos não foi impulsionado por seleção natural, por mais que essas inovações benéficas possam parecer significantes a posteriori [in hindsight].” No entanto, quando a TV fala de evolução darwinista, em geral (talvez sempre) tenta passar a imagem de que ela é uma verdade. Isso é particularmente pernicioso para adolescentes, que não deveriam ser educados para terem preconceitos e crenças. Tenho a impressão de que a TV impinge nos jovens uma profunda admiração pela ciência, uma verdadeira crença na mesma.

Falando de adolescentes, vou divergir um pouco do tema deste artigo, e abordar rapidamente o problema educacional do embate entre criacionismo bíblico e darwinismo. O primeiro é uma imagem, o segundo uma teoria conceitual. Ora, o que crianças necessitam até uns 8 anos de idade, é justamente de imagens, e não de conceitos. Portanto, até essa idade é absolutamente correto dar-se o criacionismo bíblico, e é absolutamente inadequado dar a teoria da evolução – aliás, a criança nem tem a capacidade de entender a distinção entre uma teoria e um fato científico! Ao contrário, no ensino médio, o que um jovem procura é compreensão, e não se satisfaz com imagens, com historinhas. Nessa idade o correto é dar a teoria darwinista, mas como teoria que é, apresentando também os seus problemas. A respeito destes, recomendo o interessante artigo do biólogo Craig Holdrege mostrando que a idéia comum de que as girafas esticaram o pescoço pois as que alcançavam folhas mais altas tinham mais chance de sobreviver é uma falácia (Holdrege 2003). Aliás, note-se nesse artigo o enfoque holístico e qualitativo, incomum em artigos científicos. Isso nos leva ao próximo ponto.

Um dos problemas da ciência é que o método científico só trata de quantidades, aquilo que pode ser medido, e nunca de qualidades imponderáveis. Ainda um outro problema é que o método científico atual é reducionista. Obviamente, retirando-se uma célula de um organismo vivo e examinando-se-a em separado, ela não é mais a mesma do que quando estava dentro dele; certamente perdeu várias de suas funções. Assim, esse reducionismo provoca a perda da visão do todo, e acaba por chegar a conclusões apenas parciais. Finalmente, cada um pode vivenciar dentro de si próprio fenômenos que são ‘ocultos’ à pesquisa científica, como os impulsos próprios de vontade, as sensações e sentimentos, e o pensamento. Por exemplo, tente o leitor provar a alguém que está tendo algum sentimento ou está pensando em algo. (Note-se que não se sabe como esses processos ocorrem no ser humano!) Infelizmente, esses problemas raramente são apresentados na TV, o que acaba dando uma idéia errada do que é a ciência e criando uma mentalidade cientificista, isto é, a fé ou crença na ciência.

Quero deixar bem claro que não sou contra a ciência e a tecnologia. Por exemplo, se o fosse, não teria meu próprio site, não seria o webmaster de uma sociedade, e não me teria tornado rádio-amador classe ‘A’ (infelizmente a Internet acabou com o radioamadorismo, mas ainda conservo meu indicativo, PY2EH). Sou contra o mau uso da tecnologia e da ciência, e a parcialidade desta última.

Quando a TV transmite algo espiritual, isso é feito em programas religiosos, por exemplo na transmissão de cultos, ou propagando idéias ou fenômenos sobrenaturais sensacionalistas. No primeiro caso, parece-me que não há religiosidade profunda, pois se a houvesse, não se utilizaria um meio que restringe a liberdade e a consciência. Ao contrário, a transmissão de cultos religiosos pela TV parece-me ser uma prova do materialismo que grassa por várias correntes religiosas. Quanto ao sensacionalismo sobrenatural, pode-se perfeitamente ver que ele é apresentado de forma totalmente materialista, como por exemplo o filme ET de Spielberg.

Enfim, uma mensagem àqueles que se consideram espiritualistas: não deem a seus filhos acesso à TV e nem aos outros meios eletrônicos, pois eles em geral induzem uma visão de mundo materialista.

6. Educação

Neste capítulo é apresentada inicialmente uma caracterização do que deveria ser a educação, com explicações sobre os termos dessa caracterização, para em seguida serem expostas diretivas no lar e na escola no sentido de se prover uma educação adequada, e do que não deve ser feito.

6.1 O que é educação?

Educar é orientar adequadamente a criança e o jovem para que se desenvolvam sadiamente do ponto de vista físico, fisiológico, emocional e mental, bem como desenvolvam habilidades físicas, sociais, artísticas, artesanais e intelectuais, e adquiram cultura e conhecimento para poder, na idade adulta, colocar livremente essas habilidades em prática, de modo que possam, por si próprios, encontrar seu caminho e atuar socialmente de maneira positiva.

Note-se que fiz questão de formular essa minha caracterização dando ênfase ao fato de que, no fundo, a criança e o jovem educam-se; pais e mestres são apenas instrumentos na autoeducação. Vou explicar alguns trechos dessa caracterização.

Usei a palavra ‘adequadamente’ pensando no fato de que a educação deve seguir a maturidade global da criança e do jovem. Isso significa que ela deve levar em conta o estágio de desenvolvimento físico, fisiológico, psicológico e psíquico. Um contraexemplo claro de inadequação é colocar a criança em contato com a sexualidade antes da puberdade. Existe uma pedagogia que, em meu entender, é a que mais é orientada para essa adequação: é a Pedagogia Waldorf, já mencionada no item 5.14. Para uma boa introdução a ela, ver o livro de Rudolf Lanz (1998).

Na Pedagogia Waldorf, existe uma conceituação detalhada sobre o desenvolvimento conforme a idade, e o ensino é totalmente orientado por ele. Vou dar aqui uma das conceituações mais gerais e importantes, a dos períodos de 7 anos, ou ‘setênios’. Aproveitarei para expor algumas da características dessa pedagogia, pois é a melhor que conheço, sob vários pontos de vista, servindo portanto de modelo para o que considero o ideal no ensino.

Segundo a Pedagogia Waldorf, no primeiro setênio (de 0 a aproximadamente 7 anos) a criança é um ser essencialmente volitivo, isto é, desenvolve sua vontade, que a domina. De fato, se uma criança dessa idade quer alguma coisa, só há uma maneira de fazê-la não a querer: desviar sua atenção. Não adianta dar explicações conceituais, como “Daqui a pouco será hora do almoço, você não deve tomar sorvete agora, poisa perderá o apetite”. A vontade está intimamente ligada com as ações, que só são executadas a partir de uma realização, em geral inconsciente, da vontade. De fato, a criança pequena é também um ser de ações: não pára de correr, de fazer, de se mexer. Isso é essencial, pois assim ela desenvolve a musculatura e a coordenação motora, cuja atividade, pelas vias nervosas aferentes, ativa determinadas áreas cerebrais. Enquanto desperta, uma criança só deveria parar e ficar quieta sem fazer nada se ouve uma história; nesse momento, ela entra numa atividade também intensa, mas interior: a sua imaginação cria as imagens do que ela está ouvindo, como já foi descrito no item 5.3. A imaginação está ligada a uma outra característica da criança no primeiro setênio: a fantasia. Toda criança dessa fase, que não foi deturpada em seu desenvolvimento, é extremamente fantasiosa, inventando brincadeiras com qualquer objeto, que para ela adquire a forma que ela imaginar. Assim, uma cadeira pode virar uma casa, um castelo, um barco, um automóvel, uma jaula, etc. Nessa idade, a criança é essencialmente animista, isto é, imagina que qualquer coisa tenha vida, como no exemplo dado em 5.15, de o pai censurar uma cadeira em cuja perna a criança tropeçou. Como já foi citado em 5.27, uma característica essencial das crianças nesse período é de terem uma religiosidade inata, que deveria ser respeitada e cultivada. Toda criança vem ao mundo com duas características essenciais: esperando que ele seja bom, e com uma confiança irrestrita nele. Qualquer ação que mostre uma ruindade no mundo, e que ele não é digno de confiança, frustra profundamente a criança pequena. Por isso jamais se deveria desejar despertar a crítica em uma criança dessa idade.

Finalmente, dois aspectos absolutamente essenciais do ponto de vista da educação: no primeiro setênio, a criança aprende brincando e imitando. Como vimos em 5.12, a criança até os 7 anos aprende essencialmente por imitação. Esse aprendizado por imitação (que deve ser a tônica da educação no lar e no jardim de infância que, infelizmente, transformou-se em ‘pré-escola’, ‘educação infantil’, etc.), corresponde a uma fase em que a criança está formando conceitos intuitivos do mundo, isto é, está aprendendo a associar, por meio de um pensar intuitivo, semiconsciente, a percepção ao conceito relacionado com o objeto percebido. Isso significa que somente a realidade, e a mais bonita e boa possível, deveria ser mostrada à criança. Quando for algo fantasioso, como por exemplo um livro com figuras, deveria ser sempre artístico, nunca grosseiro, grosteco, amedrontador, agressivo. Um contra-exemplo típico é o dos dinossauros já citados no item 5.5; repetindo, o que pais podem ter na mente dando monstros apavorantes para suas crianças brincar, ou mesmo ver em figuras?. Quanto mais rudimentar o brinquedo, melhor, pois ela poderá exercer a sua fantasia e imaginar algo real por detrás dele. Um caso típico é o da boneca de pano onde os olhos são dois pequenos círculos, o nariz uma pequena protuberância, não havendo necessidade de ter uma boca desenhada; assim são as chamadas ‘bonecas Waldorf‘, usadas nessa pedagogia. Com esse brinquedo, a criança pode imaginar essa boneca dormindo, chorando, rindo, etc., o que é impossível com uma boneca de plástico com o rosto imitando perfeitamente um rosto humano, sempre sorrindo, etc. Além disso, compare-se a sensação táctil que se tem com uma boneca de pano, e o seu cheiro, com os de uma de plástico, para se entender como os brinquedos de hoje são, em geral, uma aberração, da qual a Barbie é a mais horrível demonstração. Como uma criança pode brincar com a Barbie de nenê, embalando-a, etc.? Afinal, uma das brincadeiras essenciais de uma criança com bonecas é imitar o que a mamãe faz com ela própria ou com seus irmãozinhos nenês! Uma coisa que me choca profundamente pensando nas crianças que brincam com elas, além da forma sensual dessas bonecas e as pernas excessivamente longas (já ouvi falar que isso não corresponde ao biotipo típico das brasileiras, o que provoca frustrações nas nossas meninas que, obviamente, querem imitar a boneca), são as articulações mecânicas de braços e pernas, uma mecanização do ser humano. Péssimos são também os brinquedos elétricos ou eletrônicos, como os carrinhos e robôs com controle remoto; nesse caso, quem brinca é o próprio brinquedo, pois a criança limita-se a apertar botões. Além disso, nesses brinquedos também não há nada a ser imaginado. Em lugar de trenzinho elétrico, meus filhos brincaram e meus netos brincam com trenzinhos de madeira sobre trilhos (da marca Brio ou compatível).

Na Pedagogia Waldorf, o aprendizado da leitura e da escrita jamais se dá durante o jardim de infância, onde não há nenhum ensino formal. De fato, as letras latinas são símbolos abstratos, sem nenhum significado intrínseco, e seu aprendizado apela para o intelecto. No 1º setênio, isso significaria roubar da criança forças que ela deveria estar dedicando ao seu desenvolvimento físico e fisiológico, o que provavelmente provocará distúrbios mais tarde. É muito triste ver hoje até creches ensinando a ler, provocando uma terrível intelectualização precoce. Será que alguém acha que uma criança que aprendeu a ler aos 4 anos de idade terá lido por isso mais livros quando chegar aos 18 anos? Isso dependerá exclusivamente do estímulo posterior.

Passemos ao segundo setênio (aproximadamente 7 a 14 anos). Segundo a conceituação e a prática da Pedagogia Waldorf, é essa a época em que a criança torna-se madura para começar a aprender algo formalmente – e a primeira coisa formal é a leitura e a escrita. No entanto, é necessário entender que a transição do primeiro para o segundo setênio não é abrupta, mas sim vagarosa. Assim, aprender a ler deve ser um processo muito lento e ainda cheio de fantasia. Para isso, a Pedagogia Waldorf recomenda que o professor comece contando uma história para cada letra. Peter Bieckark, que foi o professor de classe (ver abaixo) de minha segunda filha, introduziu como primeira letra o G, contando a historia de um gnomo cujo nome era Gnut. O Gnut foi então introduzindo cada letra nova; por exemplo, ele morava numa montanha, em forma de M, e apresentou-a às crianças com lindos desenhos coloridos no quadro-negro. Ele também apresentou uma amiguinha que ele tinha, a borboleta B. A vivência de minha filha do aprendizado das letras na 1ª série foi tão intensa, que até hoje, com 40 anos, ela se lembra das historinhas – e lamentou-se que sua filha mais velha, que acabou de entrar na 1ª série em uma Escola Waldorf, não teve uma história tão bonita para as letras. Vemos aqui uma característica essencial da Pedagogia Waldorf: a vivência do que é ensinado, ao contrário das outras escolas, onde o ensino é essencialmente intelectual. Na 3ª série, um motivo central das aulas são as profissões. Pois na Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo é uma tradição que as crianças aprendam nessa série como se faz pão (nas aulas de jardinagem, plantaram trigo, colheram-no e depois viram como ele é moído), não teoricamente, mas fazendo-o. Como visitaram uma olaria, fazem um forno de tijolos e barro (amassado com os pés). Mais tarde, durante o Bazar Natalino da escola, as crianças fazem pães, e os vendem para os visitantes. Depois o forno é desfeito, para a classe correspondente do próximo ano construir o seu.

Uma característica essencial do 2º setênio é que as crianças desenvolvem suas sensações e sentimentos. Assim, todas as matérias deveriam apelar para o senso estético do belo, usando-se contrastes que incentivem os sentimentos. Na Pedagogia Waldorf, um cuidado extremo é tomado para que o ensino fundamental não seja intelectual, abstrato. Assim, no 2º setênio não são dadas no ensino de ciências explicações conceituais. São mostrados fenômenos físicos ou químicos, e as crianças aprendem a observá-los atentamente e a descrevê-los em textos em seus cadernos, acompanhando-os com muitos desenhos coloridos dos aparelhos e dos resultados. Somente no 3º setênio é que os fenômenos são explicados conceitualmente, apelando para o intelecto.

Como contra-exemplo de ensino abstrato, dirigido apenas para o intelecto, seria interessante o leitor recordar-se como aprendeu o que é uma ilha. Certamente, da maneira seguinte, infeliz padrão no Brasil, dada ao redor dos 8 anos de idade: “Uma ilha é um pedaço de terra cercado por água de todos os lados.” Pois bem, essa é uma definição, e toda definição mata a realidade. De fato, a ilha assim definida é totalmente morta: não tem praias e pedras no mar, vegetação, animais, vento, cheiro do mar e ruído das ondas, etc. A criança não consegue imaginar quase nada com essa definição que, por sinal, está errada: não há água nos lados de cima e de baixo; além disso, se a ilha não tiver as bordas poligonais, haverá apenas dois lados, o de fora e o de dentro. Como poder-se-ia criar na criança o conceito de ilha provocando imaginações e vivências? Contando-se, por exemplo, a história de uma pessoa que estava em um veleiro, mas veio um vento forte e o barco virou. Não conseguindo desvirá-lo, ela nadou até chegar numa praia. Descansou, e pôs-se a voltar para casa, mas para todos os lados encontrava praias ou pedras no mar. Essa historia poderia levar muito tempo, com o professor acrescentando toda sorte de detalhes possíveis de ser encontrados numa ilha, e o drama da pessoa não conseguir sair dela e voltar para casa. Em seguida, o professor poderia pedir aos alunos que desenhassem em seus cadernos o que imaginaram para a ilha. Na aula seguinte, os alunos poderiam entrar na sala e ver no quadro-negro um bonito desenho colorido ilustrando a história, e tentariam contá-la. Em seguida, poderiam usar uma bacia metálica, fazendo uma ilha de barro, colocando nelas galhinhos e musgo representando árvores e vegetação, talvez um homenzinho de cera e, depois de o barro ter secado, colocar um pouco de água em volta da ‘ilha’. Alguém duvida que as crianças terão aprendido o conceito correto de ilha dessa maneira? Nada de definições! Aliás, note-se que nenhuma professorinha define para as crianças o que é uma árvore, algo como “Um pedaço de pau fincado verticalmente na terra, com ramificações, folhas, flores, bla, bla.” No entanto, as crianças aprendem o conceito de árvore simplesmente observando e vivenciando várias delas, trepando nelas, vendo suas folhas, flores e frutos.

No 3º setênio, a época do ensino médio, o pensamento abstrato está se desenvolvendo, e o jovem quer compreender o mundo (ver o exemplo da teoria da evolução do item 5.27). Agora é hora de ensinar intelectualmente, por exemplo provando teoremas na matemática, o que não faz sentido no ensino fundamental, onde aprendizado da técnica matemática é mais importante do que o do formalismo. No entanto, o ensino deve ser equilibrado com muitas matérias artísticas e artesanais, pois o ser humano não é apenas intelecto. Nesse período a ciência deve ser dada como teoria, sem se descuidar das vivências de laboratório.

Resumindo, no 1º setênio a base do desenvolvimento é o querer e as ações, no 2º é o sentir, e no 3º é o pensar abstrato, abrangendo-se assim as três atividades interiores do ser humano. É importante salientar que os 3 setênios são apenas grandes divisões; na Pedagogia Waldorf, cada um deles é ainda dividido em 3 períodos, com suas características próprias.

Infelizmente não posso entrar em mais detalhes, pois já me alonguei em demasia. Talvez ainda dê dois exemplos da adequação do ensino à maturidade dos alunos. Rudolf Steiner constatou que, ao redor dos 11 anos de idade, as crianças tem um pico de equilíbrio físico, adorando andar equilibrando-se em cima de muros, berias de calçadas e paus. Pois é nessa idade que são introduzidas equações lineares na álgebra, sob a forma de equilíbrio de pesos em uma balança, por exemplo “Qual o peso que deve ser colocado neste prato mais alto para equilibrar a balança, onde há nos dois pratos outros pesos conhecidos diferentes?”. Steiner recomendou o estudo da lenda medieval de Parsifal e a busca do Graal no 11º ano, aos 17 anos. A história de Parsifal é um modelo fantástico para os jovens nessa idade. Nela, ele passa da ingenuidade ao conhecimento, amadurecendo a duras penas, o que lhe dá a possibilidade de salvar o Rei Anfortas de seus sofrimentos, formulando a pergunta necessária para isso (que revela um interesse pelo sofrimento do outro, e o impulso de ajudá-lo). Por meio das imagens da lenda eles percebem que estão passando por um processo análogo, e logo vão ter que enfrentar o mundo, terão que começar a decidir o que vão estudar ou fazer de sua vida, etc. Para maiores detalhes sobre a lenda de Parsifal e seu aspecto pedagógico, veja-se um relato sobre um desses cursos e o livro de minha esposa (Setzer 2008).

Essa divisão em setênios pode parecer estranha, mas é muito antiga, tendo sido introduzida na Grécia. Rudolf Steiner, o idealizador e introdutor da Pedagogia Waldorf, foi quem resgatou esse conhecimento, ampliando-o enormemente com conceitos detalhados, formando uma parte fundamental daquela pedagogia. Note-se que havia um conhecimento intuitivo, infelizmente perdido, de que eles significavam algo fundamental no desenvolvimento da criança e do jovem. De fato, as crianças entravam antigamente na escola apenas ao redor do 7 anos, e não havia a pré-escola, onde se pretende acelerar indevidamente o desenvolvimento intelecual da criança. Naquela época havia realmente um jardim de infância, uma expressão maravilhosa, cuja eliminação mostra o quão pobre de conhecimentos são os educadores de hoje. Quando eu era criança, já não havia restrição de idade para entrar no primeiro ano do que era chamado de ‘ensino primário’, durando 4 anos. No entanto, havia-a para a passagem para o que se chamava de ‘ginásio’, que tinha também 4 anos, correspondendo ao período da 5ª à 8ª séries (6ª à 9ª na nova seriação – que infelizmente adianta a escolarização de um ano – não é absolutamente isso que vai melhorar o aprendizado, pelo contrário!). De fato, na minha época não era permitido entrar no ‘ginásio’ se a criança não fosse completar 11 anos até 30 de junho do ano de entrada. Isto é, havia uma tradição de que a maturidade dada pela idade era essencial para o aprendizado diferenciado do ‘ginásio’ em relação ao ‘primário’. Neste, havia uma professora de classe, que dava todas as aulas principais. Infelizmente, ela mudava a cada ano. Já no ‘ginásio’, havia professores de matéria – em geral, 11 matérias por ano! O obstáculo dos 11 anos para entrar no ‘ginásio’ significava que os alunos, fora os infelizmente reprovados, tinham mais ou menos a mesma maturidade cronológica, seja para entrar no colegial (15 anos) como no ensino universitário, no qual se entrava com pelo menos 18 anos a completar até 30 de junho.

Na Pedagogia Waldorf, no ensino fundamental há um ‘professor de classe’ que idealmente acompanha uma classe desde a 1ª até a 8ª série, dando todas as matérias principais: português, matemática, história, geografia e ciências, mais algumas específicas daqela pedagogia, como por exemplo desenho de formas nos primeiros anos. Isto é, o professor deve ser um generalista. Outros professores dão matérias especializadas, como línguas estrangeiras (em geral duas), educação física, artes e artesanatos. Já no ensino médio, que leva 4 anos, da 9ª à 12ª série (como é o caso do ensino em geral na Europa, nos EUA e no Canadá), há professores especializados em cada matéria, isto é, o de matemática é um matemático, o de física um físico, etc. Nesse período há um professor-tutor da classe, que a acompanha nos 4 anos, dando aulas de ‘tutoria’, onde são tratados os problemas da classe, programadas viagens, festas, etc.

A figura do ‘professor de classe’ é fundamental. Até o fim do 1º setênio, os pais eram a maior autoridade. Quando a criança entra no ensino fundamental, os pais deixam de exercer esse papel, que deve passar em grande parte para o professor. Na Pedagogia Waldorf, a autoridade do professor é fundamental, mas não deve ser confundida com autoritarismo: a expressão-chave é ‘autoridade com amor’. No 2º setênio, a criança e o adolescente ainda precisam poder apoiar-se em alguém em quem confiam pela sua personalidade e experiência de vida, para poder guiá-los. Já no 3º setênio, a autoridade deve vir do conhecimento especializado – o aluno admira um professor que é conhecedor profundo de sua matéria e sabe responder qualquer pergunta intelectual sobre ela.

Uma das características fundamentais da Pedagogia Waldorf é o fato de não haver nem notas, nem repetição de ano. Ela foi a origem da recomendação da UNESCO para que o ensino fosse continuado. Infelizmente, aqui no Brasil esse tipo de ensino é muito mal falado, pois foi extremamente mal implementado, a partir daquela recomendação: não houve preparo dos pais, dos professores e das escolas. Na Pedagogia Waldorf, o ensino continuado funciona maravilhosamente, mas é continuado mesmo, até o fim do colegial, sem os denominados ‘ciclos’ onde pode haver repetição de ano. De fato, por que reprovar, por exemplo, uma criança de 8 ou 9 anos? Quem sabe ela não conseguiu responder perguntas de provas da maneira adequada ou não fez os trabalhos devidos. Nesse caso, ela não teve a responsabilidade de estudar a matéria, ou de fazer certos trabalhos. Mas como se pode exigir que uma criança tenha essa responsabilidade, se isso é uma característica de adulto? O aluno deveria estudar e fazer suas tarefas não por obrigação, mas por entusiasmo. Antes do ensino continuado, os professores das escolas comuns obrigavam os alunos a estudar com a ameaça de notas baixas e reprovação. Não foram preparados para interessar os alunos nas matérias, e foi-lhes retirado o maior instrumento de pressão para o aprendizado e também para a disciplina. No entanto, a Pedagogia Waldorf está mostrando desde 1919 que notas e reprovações podem ser dispensados; assim, os alunos passam a não ter tensões em sua escolaridade. (Alguém pode me dizer para que criar crianças e adolescentes sob tensão?) O resultado tem sido sempre extraordinário. Veja-se, por exemplo, o artigo “Sete mitos da inserção social do ex-aluno waldorf” contendo uma estatística feita por Wanda Ribeiro e Juan Pablo com ex-alunos da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, a mais antiga (começou em 1956) e a maior (há duas classes paralelas para todas as séries) do Brasil. Visite-se, também a exposição de trabalhos de todo o ano no Bazar Natalino de qualquer escola Waldorf para se ver o que significa essa pedagogia. Essas exposições são muito interessantes pois se vê, classe a classe, como os alunos vão amadurecendo e desenvolvendo suas capacidades, desde o jardim de infância até o fim do ensino médio.

Um aspecto que permeia toda a Pedagogia Waldorf, desde o jardim de infância até o fim do ensino médio é um ritmo de contração e expansão dos alunos em uma classe. Quando eles ouvem uma história ou uma teoria, há a recepção das informações, num gesto de contração. Em seguida, eles fazem alguma atividade relacionada com o que ouviram, como desenhar e escrever no caderno, o que significa colocar para fora algo relacionado com o que aprenderam, em um gesto de expansão. No ensino tradicional, normalmente o aluno fica sentado horas na carteira, apenas absorvendo o que é ensinado. É muito interessante comparar a saída dos alunos de escolas tradicionais e de escolas Waldorf. Nas primeiras, é comum existir como que uma explosão de hiperatividade, pois eles ficaram acumulando, contraídos, todo o tempo que estiveram na classe. Nas escolas Waldorf, os alunos em geral saem tranquilos, sem explodir.

Resumindo, a base para a educação deveria ser o reconhecimento de que existem fases de desenvolvimento da criança e do adolescente, e essas fases deveriam determinar todas as maneiras de como o ensino é feito. Além disso, é necessário compreender profundamente o que significa a criança e o adolescente, suas características e necessidades.

A Pedagogia Waldorf, que segue essa base e tem uma tal compreensão, pode parecer revolucionária. De fato, comparada com o ensino tradicional, e os horrores pedagógicos que são praticados hoje em dia, ela realmente o é. Só que ela existe desde 1919, quando Rudolf Steiner a introduziu na primeira Escola Waldorf em Stuttgart, na Alemanha – uma escola para filhos de proletários, os funcionários da fábrica de cigarros Waldorf-Astoria daquela cidade, daí seu nome. É o único sistema pedagógico de meu conhecimento que tem a sua extensão, profundidade, base conceitual e prática, e os seus resultados.

Com isso, expliquei o que eu quis dizer com ‘adequadamente’ na caracterização do que é educação dada no início deste item. Nessa caracterização ainda enfatizei vários tipos de desenvolvimento, sem dar especial importância a nenhum deles. Fiz isso pois considero que só assim forma-se um adulto equilibrado e harmonioso, podendo contribuir decisivamente para a melhoria da natureza e da humanidade, e tendo interesse nisso. De fato, não adianta ter-se, por exemplo, um gênio na ciência, se hoje em dia ele não tiver consciência de seu papel e orientar sua pesquisa para o que seja realmente positivo. Só com conhecimento, mas sem sensibilidade social e compaixão pela humanidade, um cientista pode dedicar-se a desenvolver novos tipos de bombas. Imagine-se como o mundo mudaria se cientistas e técnicos recusassem-se a desenvolvê-las e fabricá-las! Na verdade, parece-me que o desenvolvimento de sensibilidade social, de compaixão e de responsabilidade social deveria ser até uma meta prioritária na educação, no lar e na escola. Para isso, uma parte essencial da educação deveria ser voltada para o desenvolvimento de uma mentalidade de cooperação, evitando-se toda a competição. Houve um professor de educação física da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo que fazia as classes jogarem diversos jogos com bola. Mas depois de alguns pontos, ele misturava os times e começava tudo de novo. Assim, ele evitava que se criasse uma atmosfera de competição de um time contra o outro. Eu mesmo desenvolvi um tênis cooperativo, que jogo com meu amigo Horst: só batemos bola, e nunca contamos pontos. Isso significa tentar rebater a bola independentemente se ela cai na quadra ou fora dela. Com isso, nosso exercício físico é muito mais intenso do que se jogássemos partidas, pois há muito menos interrupções. Não usamos pegadores de bolas, pois assim pelo menos fazemos uma pausa para pegá-las, o que é ótimo em nossa idade. Uma das características de nosso jogo é que cada um só elogia o outro, sempre que este dá uma tacada muito boa. Em geral, tentamos jogar uma boa bola para o outro, apesar de à vezes combinarmos que nas próximas jogadas vamos colocar a bola onde o outro não está, para treinar esse tipo de jogada. Assim, nosso jogo é muito agradável, ao ponto de Horst queixar-se de outros jogadores que só querem contar pontos e ganhar partidas.

Não há nenhuma, absolutamente nenhuma necessidade de se educar crianças e jovens para serem competitivos. Quando eles forem enfrentar a vida, infelizmente terão que competir, e não terão dificuldade em aprendê-lo, mas saberão apreciar o quanto é importante cooperar – o que está faltando enormemente na sociedade. De certo modo, a competição apela para o que há de animal dentro de nós; por outro lado, a cooperação apela para o que nós temos de essencialmente humano, e que os animais não tem. De fato, no mundo animal a vida é uma constante luta pela sobrevivência do indivíduo e da espécie; qualquer cooperação é instintiva da espécie, e não fruto de compaixão e de uma decisão consciente. Isso pode e deve ser educado.

Na caracterização de educação do início deste item, mencionei também habilidades artísticas e artesanais. É um fato que toda criança pequena é um artista, devido à capacidade de fantasiar e imaginar, como já foi citado nos itens 5.12 e 5.15. O adulto criativo é aquele que conservou um pouco de sua infantilidade, no aspecto da fantasia e da imaginação. Portanto, uma das metas da educação deveria ser de preservá-las, e não matá-las, como é o resultado atual da educação no lar e na escola. Um intenso ensino artístico e artesanal, durante toda a escolaridade, e o incentivo a essas atividades no lar (por exemplo, o estudo de um instrumento musical, a colocação de giz de cera, tintas, papel e telas à disposição das crianças e jovens animando-os a desenhar e pintar, etc.) são essenciais para a preservação da imaginação e o desenvolvimento de habilidades artísticas. A Pedagogia Waldorf mostrou que todas as crianças e adolescentes desenvolvem essas habilidades. Por exemplo, nas escolas Waldorf as crianças cantam intensamente desde o jardim de infância, e começam a tocar flauta doce (o instrumento musical mais fácil de aprender, em qualquer idade) já na 1ª série. O coral do ensino médio da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, composto por todos os alunos – e todos cantam afinado –, já cantou no Carnegie Hall, em New York, tendo inclusive recebido um segundo convite, que não se concretizou. Visitando-se a exposição dos trabalhos do ano em um bazar natalino de uma dessas escolas, tem-se a impressão de que todos os alunos são artistas. Não, eles simplesmente tiveram um incentivo para não perderem sua fantasia e tiveram suas habilidades artísticas e artesanais intensamente desenvolvidas, durante toda a escolaridade. Há inúmeros relatos dos resultados dessa educação artística; vou contar apenas dois, que ouvi. Uma ex-aluna Waldorf foi fazer o curso de odontologia. O professor começou a descrever algo sobre os dentes, e enquanto ele o fazia, ela começou a desenhar um dente com as características que ele descrevia abstratamente. Depois da aula, seus colegas a rodearam, e ficaram espantadíssimos com o perfeito desenho que ela tinha feito, dizendo que agora compreendiam o que o professor tinha querido dizer. Um cirurgião, ex-aluno Waldorf, relatou como foi importante para ele ter tido na escola todo o trabalho manual com fios pois não teve problema em aprender a fazer suturas. Esse tipo de trabalho manual, que cobre todas as séries do ensino fundamental, vai desde o tricô na 1ª (usado em parte como preparo para o raciocínio matemático, pois a precisão é essencial, não se podendo perder nenhum ponto, como nos cálculos), passando pela confecção de uma meia sem costuras na 6ª série (ao redor de 12 anos), usando 5 agulhas, até fazer uma malha completa na 8ª série (essa sequência continua depois com teares). Aliás, como em todo o resto do ensino de artesanato, isso é feito tanto por garotos quanto por garotas.

Do ponto de vista intelectual, um ensino ideal é aquele que forma alunos com pensamentos flexíveis, e não rígidos e preconceituosos como normalmente acontece no ensino tradicional. Por exemplo, nada, absolutamente nada é simples na natureza. Tenho um aforisma que diz o seguinte: “Desconfie de toda explicação simplista de algo da natureza.” No entanto, o ensino tradicional apresenta explicações pseudo-científicas erradamente simples. Por exemplo, como se aprende a causa das marés? Que elas são devidas à atração gravitacional da Lua e do Sol sobre os mares. De fato, essas forças atuam sobre os mares, mas as marés são devidas a uma confluência de forças e situações extremamente complexas, envolvendo ainda a forma das bacias oceânicas, as correntes marítimas, o movimento de rotação da Terra, etc. As marés aparecem devido a um movimento de ressonância, quando todas essas condições fazem os mares entrarem em movimentos de regime estável. E o mais espetacular é que os pontos de marés altas (e de baixas) rodam como raios em torno de um ponto no meio dos oceanos, onde não há maré (ponto anfidrômico). Há vários desses centros sem maré, um no Atlântico Sul, outro no Norte, etc. Os mapas da Terra, cotidal maps de Schwiderski, mostrando a rotação das marés altas duas vezes ao dia, cobrindo todos os oceanos, são lindíssimos, e mostram um verdadeiro pulsar dos mares – algo muito mais vivo e complexo do que a idéia errada de que as marés são devidas simplesmente à Lua e ao Sol (se fosse só assim, haveria apenas uma maré alta por dia).

Um outro exemplo: o coração é apresentado como a bomba que impulsiona o sangue pelo corpo. Essa é uma verdadeira ‘bomba’ de explicação, absolutamente ridícula, pois essa bomba deveria ter uma potência fantástica para fazer o sangue circular por milhares de quilômetros de vasos sanguíneos (segundo a wikipedia, verbete “blood vessels”, citando publicação da American Heart Association, o total é de 100.000 km!), a maior parte deles capilares, e ainda levando em conta a alta viscosidade do sangue. Além disso, que bomba é essa que dói se a pessoa tem uma frustração amorosa muito grande?

Além de enrijecer o pensamento, a maneira simplista como a ciência é apresentada na escola acaba por produzir crentes nela, achando que ela vai resolver todos os problemas da humanidade e trazer a felicidade geral, quando na verdade a natureza está sendo destruída justamente pelas consequências da tecnologia, essa dileta filha da ciência.

A propósito de ensino que enrijece, petrifica o pensar, a mãe de uma ex-aluna Waldorf contou-me que sua filha foi fazer o curso de psicologia de uma universidade. Uma professora passou aos alunos um trabalho sobre algum assunto, e os alunos deveriam pesquisar o que Freud havia dito sobre ele. Essa aluna foi à biblioteca, e fez um trabalho não só sobre Freud, mas citando uma porção de outros autores que haviam publicado sobre o caso em questão. Tipicamente, a professora elogiou o trabalho, mas disse à aluna que, na próxima vez, deveria ater-se somente ao que foi pedido…

O ensino artístico, não só em matérias artísticas, mas em todas, obviamente produz um pensar mais flexível, pois a arte não é feita sobre um espaço bem definido, como é o caso da matemática e como a física e a química são comumente apresentadas, isto é, por meio de modelos matemáticos. Em particular, a geometria permite que se introduzam elementos altamente estéticos na matemática. Lembro-me muito bem como fiquei extasiado ao ver uma senóide pela primeira vez no 1º ano do antigo colegial. O ensino de trigonometria deveria começar com os alunos desenhando senóides (por exemplo, a partir da projeção, na ordenada, de uma lâmpada fixada em uma roda vertical com rotação constante, com a abscissa indicando o decorrer do tempo), para sentirem a beleza dessa curva que, não por acaso, é denominada de ‘curva harmônica’.

Finalmente, algo sobre a expressão “colocar livremente essas habilidades em prática, de modo que possam, por si próprios, encontrar seu caminho…” na caracterização do que deveria idealmente ser a educação. Inspirada em uma frase de Rudolf Steiner descrevendo o objetivo da Pedagogia Waldorf, ela envolve dois aspectos: a liberdade e a individualidade. Certamente, ninguém que parta da hipótese de que o ser humano pode ser livre vai negar a importância disso. No entanto, parece-me que o ensino tradicional vai justamente contra a liberdade, por ser excessivamente abstrato, intelectual. Howard Gardner, em seu livro sobre inteligências múltiplas (1995), introduz a noção de que existem várias formas de inteligência: a lingüística, a lógico-matemática, a cinestésica (capacidade de detectar e dominar os movimentos), a espacial (consciência do espaço), a musical, a inter-relacional (capacidade social) e a intra-relacional (consciência das capacidades e limitações próprias). Ele chama a atenção para o fato de, na escolaridade, praticamente somente as duas primeiras serem cultivadas. No Brasil, certamente mal e mal – já encontrei vários alunos de escolas públicas que estavam na antiga 8ª série ou mais adiantados, mas nem sabiam a tabuada. No entanto, ele diz que essas são as habilidades menos importantes para o sucesso profissional, o que é corroborado por Daniel Goleman (1995); a sua ‘inteligência emocional’ é a ‘inter-relacional’ de Gardner. Não adianta ser um excelente técnico se o profissional não souber relacionar-se com seus colegas de trabalho ou com o público. Como uma pessoa pode ser livre se só foi educada para ter apenas habilidades linguísticas e lógico-matemáticas?

É importante salientar que formar um adulto livre não significa de modo algum dar liberdade exagerada para crianças e adolescentes, no que eu denomino ‘ensino libertário’, isto é, o aluno faz o que quer – a propósito, essa é a situação quando uma criança ou adolescente usam a Internet sozinhos. Obviamente, deve-se dar alguma liberdade à criança desde a mais tenra idade, como por exemplo colocar vários brinquedos à sua disposição e deixá-la escolher com qual quer brincar. Mas liberdade total é extremamente prejudicial às crianças, pois estas sabem inconscientemente que precisam ser guiadas – por exemplo, a hora das refeições não é a hora de brincar ou fazer qualquer outra coisa. Muitas crianças ficam inclusive azucrinando os pais, só para levarem uma reprimenda e sentirem que estão sendo cuidadas e protegidas. Conjeturo que excesso de liberdades e ausência de limites acaba por produzir adultos inseguros, sem capacidade de estabelecer seus próprios objetivos e sem força interior e coragem para concretizá-los.

Quanto à individualidade, a massificação do ensino vai totalmente contra ele. Por exemplo, a adoção de livros-texto bitola a nomenclatura, a sequência, exemplos e exercícios. Por isso, na Pedagogia Waldorf cada aluno faz seu próprio caderno de cada matéria, com todo o conteúdo dado pelo professor levando em conta as características, interesses e ambiente externo da classe. Um outro exemplo são as notas, que transformam um aluno em um objeto massificado e mensurável – o que ele próprio sente que não é, pois uma nota não revela nada de sua individualidade no que tange seu esforço e interesse pela matéria, o que absorveu de síntese da mesma, o seu estado de espírito quando fazia as provas, etc. Pergunto aos leitores: quanto lembram daquilo que tiveram que estudar para as provas durante toda sua escolaridade? Provavelmente, nada ou quase nada! Então, para que tiveram que fazê-las? Meu filho formou-se em administração de empresas, e tornou-se o vice-presidente de uma das maiores empresas de software do mundo. Ele diz que não aprendeu praticamente nada com as aulas na faculdade, uma das melhores de São Paulo – aprendeu com os projetos que teve que elaborar durante seu curso. Já está mais do que na hora de o ensino, em todos os níveis, mudar para o que realmente é importante, e deixar de tratar os alunos como meros repositórios de dados e informações – e o pior é que no Brasil, em geral nem isso é feito.

Idealmente, um professor deveria conhecer cada um de seus alunos, e dar aulas muitas vezes tendo alunos específicos em mente. Infelizmente, isso é impossível com o nosso sistema de ensino, onde o professor tem que dar um número exorbitante de aulas, muitas vezes em várias escolas, para poder sobreviver dignamente, fora a quantidade exagerada de alunos por classe. Na Pedagogia Waldorf, o professor tem obrigatoriamente dedicação exclusiva, e o número de aulas deve permitir-lhe participar de reuniões, preparar aulas, atualizar-se, etc. Além disso, como o professor de classe idealmente pega uma classe na 1ª série e dá todas as matérias principais até a 8ª, ele acaba conhecendo profundamente cada aluno, podendo assim tratar cada um individualmente, o que incentiva a individualização.

A educação ainda tem características universais adicionais. Por exemplo, tanto no lar quanto na escola ela é altamente contextual. Por exemplo, se um pai compra um livro para um filho (uma relativa raridade no Brasil), ele certamente examina o livro para ver se é educacionalmente adequado à maturidade do filho, se o conteúdo corresponde ao que ele pensa ser um livro adequado, etc. A propósito, como avô, há muitos anos tenho dificuldade de comprar aqui livros infantis bonitos e artísticos – o que não acontece na Europa e nos EUA. Em geral, as figuras são grotescas, monstruosas ou caricatas. É difícil entender o que os autores e os editores tem em sua mente, e o que os pais imaginam ser adequado para crianças, pois se quase todos os livros infantis são assim, certamente muitas pessoas devem achá-los uma gracinha e os compram.

Na escola, a contextualização está sempre presente: um professor dá uma aula para uma classe levando em conta o que ele deu para ela nas aulas anteriores. Obviamente, um mesmo assunto deveria ser dado de maneiras diferentes conforme a série, pois a maturidade dos alunos vai mudando. Na Pedagogia Waldorf, a contextualização é imensa: em geral o ensino é integrado entre todos os professores de uma mesma classe, e cada professor tenta dirigir-se a cada aluno da classe individualmente. Além disso, idealmente cada professor de classe deveria visitar as famílias uma vez por ano, para conhecer os hábitos e a visão de mundo do ambiente de cada aluno; infelizmente isso é muito difícil, pois significaria quase uma visita por semana para o professor.

Um outro aspecto essencial da educação é que ela sempre foi radical, no sentido de se evitar, no lar e na escola, o que é educacionalmente prejudicial. Por exemplo, nenhum pai morando em uma cidade grande com tráfego razoável deixa seus filhos brincarem na rua – além do tráfego, ainda há o miserável perigo, neste país, de seqüestros, agressões, etc. Isso é radicalismo dos pais. Nenhuma cantina de escola vende cerveja ou pinga. Isso é radicalismo. Nenhuma escola dá ensino sexual na 1ª série do ensino fundamental. Isso é radicalismo. Nenhuma escola ensina álgebra antes de aritmética, ou trigonometria antes de álgebra. Isso é radicalismo.

6.2 A educação no lar

Baseado no que foi visto acima, pode-se concluir que a educação no lar deve seguir certas diretivas para que seja sadia e efetiva:

a) Respeito à idade e maturidade de cada criança. Nesse sentido, a Pedagogia Waldorf parece-me dar a conceituação mais profunda e abrangente no sentido de se saber o que é mais apropriado para cada idade. Minha filha mais velha foi com seus filhos ainda mais rigorosa nesse sentido do que nós; por exemplo, ela não deixava que segurássemos as mãozinhas de nossos netinhos para que eles se erguessem, dizendo que os nenês iriam fazê-lo sozinhos quando tivessem o impulso para isso, a coordenação motora e a musculatura suficientes. Ela estava absolutamente correta. O caso mais triste em relação a isso é usar o ‘andador’, em que a criança não tem no início nem capacidade para ficar sentada, quanto mais em pé, e acaba ‘remando’ com os pezinhos, em vez de andar. Não há nenhuma criança sadia que não aprendeu a andar, para que acelerar esse processo, forçando atitudes físicas impróprias para a maturidade? Já está provado que o uso do andador ode provocar distúrbios posteriormente. A propósito, nesse sentido, chamo o computador usado por crianças de ‘andador mental’.

b) Incentivo à imaginação. Isso pode ser feito por meio de contar histórias, mostrar livros com figuras bonitas e artísticas, e brincando de fingir. Vou relatar aqui um caso pessoal. Minha netinha Luana quando tinha quase 4 anos, morou com seus pais um tempo conosco. Ela sempre sentava na mesma cadeira em nossa sala de jantar. Uma vez ela decidiu mudar de cadeira. Aí eu comecei a falar com a cadeira vazia, como se ela estivesse sentada lá, oferecendo comida, perguntando o que ela tinha feito, etc. A Luana divertia-se à bessa com esse fingimento, e quando eu parava ela dizia “De novo!”.

c) Despertar amor aos livros. Para isso pode começar desde cerca de um ano de idade, mostrando-se às crianças livros com ilustrações artísticas. Contar histórias lendo de livros (contos de fadas dos irmãos Grimm são particularmente recomendáveis, mas o melhor seria contá-los sem ler), repetindo muitas vezes a mesma história. Quando a criança já aprendeu a ler, incentivá-la a ler, dando livros atraentes e adequados para a idade. A criança pode ler para os irmãos menores, e até para toda a família.

d) Falar muito com os filhos, principalmente até a puberdade.

e) Manter ritmos e rituais. Horários mais ou menos rígidos para comer e para dormir são essenciais para uma criança, talvez até uns 12 anos de idade. Dormir cedo, para aproveitar o melhor do sono noturno (cf. item 5.23). As férias deveriam ser de preferência sempre na mesma localidade.

f) Vida calma. Evitar todo tipo de agitação, como ir ao supermercado, sair com frequência de casa. Lembrar que o trânsito nas grandes cidades é sempre muito barulhento e nervoso. Evitar estímulos visuais e auditivos em demasia, como música de fundo, TV e video games.

g) Para crianças até uns 10-12 anos, criar um ambiente de religiosidade, respeito pelas pessoas, e veneração pela natureza. No apêndice, são dadas orações ecumênicas para as refeições e para a hora de dormir, inclusive com som de canções.

h) Quando as crianças já aprenderam a fazer contas, fazer com elas contas ‘de cabeça’, isto é, sem escrevê-las. Por exemplo, “2 mais 5” (a criança deve fazer essa conta mentalmente, sem dizer o resultado), “menos 3”, “mais 8”, etc. Ir fazendo contas mais complexas, com números maiores, à medida que a criança as aprenda, usando por exemplo multiplicações e divisões.

i) Depois dos 7 anos, se a escola infelizmente não a ensina, ensinar flauta doce (o instrumento mais fácil de ser aprendido). Levar a criança a concertos orquestrais, assim que ela puder ficar quietinha prestando atenção. Incentivar a criança a escolher um instrumento de orquestra para aprender; piano pode ser começado relativamente cedo; instrumentos de corda, ao redor dos 10 anos; os de sopro, aos 13, depois que os pulmões se desenvolveram (note que isso não se aplica à flauta doce, que exige muito pouco sopro).

j) Se a escola não tiver aulas de artes, fazer a criança frequentar essas aulas, mas escolher alguma escola de artes ou professora que saiba adequar a atividade artística à idade e use um método lúdico até os 10 anos. Incentivar a criança a pintar e desenhar em casa.

k) Não fazer cursos de esportes antes da puberdade. Natação e equitação são exceções, desde que sejam lúdicos e não competitivos.

l) Não sobrecarregar a criança no primeiro setênio com atividades. Deixar espaço e tempo para ela brincar sozinha, pois brincar é coisa extremamente séria para crianças. Brincadeiras infantis são universais, refletindo a universalidade da criança. A respeito da necessidade das brincadeiras infantis na escola, ver o excelente relatório da Alliance for Childhood de Miller e Allmond (2009).

6.3 A educação na escola

Vou colocar aqui apenas alguns aspectos fundamentais.

a) No jardim de infância (insisto nesse nome, em lugar de ‘ensino infantil’ ou ‘pré-escola’), não dar nenhum ensino formal tal como ensinar a ler e a fazer contas. O jardim deve ter horários para brincar, ouvir estórias, comer, etc., seguindo ritmos diários e semanais. Deve ter vários ambientes com brinquedos específicos, para a criança escolher. Visitar um jardim de infância Waldorf para ver como é o que considero ideal.

b) Respeitar a maturidade da idade.

c) Não acelerar o desenvolvimento, em todas as idades.

d) Incentivar a imaginação por meio das artes, em todas as matérias e em matérias artísticas.

e) Abordagem puramente abstrata apenas no ensino médio. Durante o ensino, criar imaginações e vivências, como no contra-exemplo da definição de ilha do item 6.1.

f) Educação continuada.

g) Formar um aluno sem preconceitos, sempre disposto a conhecer mais, e ter a curiosidade de compreender os fenômenos.

h) Sempre mostrar que existem, no mundo real, vários aspectos para cada coisa ou fato, isto é, caracterizar as coisas e não defini-las. Com isso o aluno desenvolve um pensar flexível e vivo, e não rígido e morto.

i) Colocar a a ciência e a tecnologia em seu devido lugar, mostrando a partir do ensino médio os problemas que tem e causam, respectivamente.

7. A TV educa?

A tabela abaixo compara o que deveria o que deveria ser uma educação. Baseado no que foi exposto até aqui, pode-se comparar o que deveria ser uma educação ideal com o que faz a televisão. A tabela abaixo apresenta essa comparação suscintamente.

EDUCAÇÃO
TELEVISÃO [capítulos ou itens que abordam o assunto]
1.
Processo muito lento Tudo rápido [2, 3, 5.3]
2.
Processo ativo e interativo Produz passividade física e mental [2, 5.3]
3.
Desenvolvimento lento da individualidade Massificação [2, 5.24]
4.
Desenvolvimento da cooperação Induz mentalidade competitiva [4, 5.4, 5.18, 5.21]
5.
Desenvolvimento harmônico de todas capacidades e habilidades humanas Não desenvolve nenhuma capacidade e habilidade [3]
6.
Desenvolvimento de sensibilidade social, compaixão e responsabilidade social Isola socialmente, dessensibiliza os sentimentos, desenvolve atitudes antissociais [5.4, 5.21]
7.
Interesse pelo mundo e pela natureza Interesse por um mundo virtual [4, 5.12, 5.13, 5.15]
8.
Formar indivíduos calmos, contemplativos, com capacidade de introspecção Produz agitação interior, vício de receber uma avalanche de imagens [2, 4, 5.11]
9.
Formar pessoas sem medo infundado Induz medo [5.5]
10.
Formar indivíduos com coragem para enfrentar as agruras da vida e buscar seus ideiais Prejudica a força de vontade e induz ideais sem substância [3, 5.5, 5.18, 5.19]
11.
Educar para uma alimentação sadia, e consumo de alimentos in natura (cozidos, quando isso for necessário ou útil) Induz consumo exagerado de alimentos industrializados e sem valor nutritivo [5.18]
12.
Formar indivíduos com imaginação e criatividade Prejudica a imaginação e a criatividade [3, 5.3, 5.10, 5.15]
13.
Desenvolvimento de amor à leitura Prejudica a leitura [5.10]
14.
Educar para o consumo do que é necessário e de qualidade Induz um consumismo inconsciente e desenfreado [5.18]
15.
Altamente contextual Sem nenhum contexto em relação ao telespectador [6.1]
16.
Desenvolvimento da consciência e da autoconsciência Abafa e prejudica a consciência [3]
17.
Dirigida para a consciência Dirigida para o subconsciente e o inconsciente [3]
18.
Aquisição de conhecimentos teóricos (informação) e práticos (vivências) Condicionamento (gravação no subconsciente e no inconsciente) [5.4, 5.18, 5.19]
19.
Desenvolvimento lento da liberdade e da independência de idéias e ações Prejudica a liberdade e provoca dependência [5.4, 5.18, 5.19]
20.
Desenvolvimento gradual da capacidade de julgamento e de crítica Prejudica o julgamento e a crítica conscientes [3, 5.18]]
21.
Incentivo à atividade fisica Força inatividade física [3]
22.
Incentivo à vida familiar Destrói a vida familiar [5.22]
23.
Desenvolvimento de admiração e veneração pelo mundo Induz desrespeito pelo mundo, apresentado como uma caricatura (desenhos animados) [5.4]
24.
Respeito à maturidade da criança e do adolescente Não respeita a maturidade [2, 5.24, 6.1]]
25.
Orientação para se evitar fumo e bebidas alcoólicas Indução ao consumo de cigarros e de bebidas alcoólicas [5.2, 5.18]
26.
Resolução de conflitos por consenso pacífico Resolução de conflitos por violência [4., 5.6, 5.9]
27.
Incentivo a uma vida com ritmo Destrói os ritmos pessoais e familiares [5.23]
28.
Desenvolvimento de paciência e serenidade Indução de impaciência, impulsividade e falta de auto-controle [5.25]
29
Desenvolvimento de positividade (procurar o lado bom das coisas) Desenvolvimento de negatividade [5.25]
30.
Desenvolvimento de atitude objetiva e crítica frente às máquinas Endeusamento das máquinas [5.26]

Esgotei nessa tabela todos os aspectos antieducativos da TV? Certamente não. Quem sabe os leitores poderiam ajudar-me a aumentar esta lista.

Examinando-se essa tabela, pode-se concluir que a TV transmitida (não estou aqui me referindo à reprodução de DVDs; ver 8.2 para um caso particular a esse respeito) não só não educa. Ela deseduca o que foi educado, e prejudica o desenvolvimento da educação. Assim , ela é claramente antieducativa, isto é, ela é contra a educação. Como eu tenho procurado mostrar, isso não depende dos programas transmitidos. O conteúdo antieducativo dos programas apenas piora a situação.

8. O que fazer com a TV

Neste artigo, não fico apenas na crítica. Já dei algumas indicações práticas de como a educação poderia ser completamente diferente do que é. Neste capítulo, vou me concentrar no problema da TV e dar algumas ideias do que poderia ser feito em relação a ela, tanto nos lares como nas escolas.

8.1 O que fazer com a TV no lar

Vou partir do pressuposto que o leitor concorda comigo que a TV traz muitíssimos mais prejuízos do que benefícios, principalmente para crianças e adolescentes, mas também para adultos. Levando em conta que a atração que a TV exerce sobre as pessoas é imensa, chegando a tornar-se um vício (ver a história das 25 famílias de Denver no item 5.17) tenho as seguintes recomendações.

a) O mais fácil é não ter. Com isso, corta-se o mal pela raiz, evitando-se problemas de controle de uso e a luta interior para resistir à tentação de vê-la. Isso é especialmente benéfico para as crianças, pois elas não conseguem entender por que alguns programas fazem mal, ou mesmo que ver TV é um mal em si, como procurei mostrar. O problema com elas ainda se agrava quando os pais assistem TV e dizem que elas não devem assisti-la.

b) Em alguns casos, alguém da família acha absolutamente necessário ter um aparelho, para assistir algo específico. Por exemplo, o pai adora ver futebol pela TV. (A propósito, não consigo compreender como alguém pode torcer para um time de futebol, conhecendo o comércio que existe por detrás desse jogo profissional; além disso, já que essa pessoa gosta de futebol, por que não vai jogar, para fazer algum exercício físico?) Ou, então, os pais adoram ver filmes em DVD – eu achei uma interessante aplicação para isso, assistir espetáculos de óperas; mas eu e minha esposa estamos tão acostumados a não ligar a TV, e temos tantas outras coisas para fazer, como estudar, ler, escrever e fazer nosso exercício físico diário, que não lembro no momento quando foi a última vez que assistimos uma ópera em DVD. Nesses casos, o aparelho de TV não pode estar disponível. O nosso é de 21″ (ou 24″?), instalado num canto da estante do escritório, coberto com um paneau e ainda um quadro – eu acho o aspecto de uma TV horroroso; o vidro escuro não combina com nenhum móvel. Um dos piores lugares para instalá-la é a sala de estar, pois nesse caso qualquer pessoa, principalmente a criança e o adolescente, pode passar por lá e ter a tentação de ligá-la. Nesse caso, uma possibilidade é instalar um dispositivo com chave de tambor, talvez no meio do cabo de força do aparelho, desligando a TV. Antigamente eu recomendava que se guardasse a TV em um armário, tendo-se um bom trabalho para tirá-lo de lá para ver apenas os tais programas específicos, mas com as telas grandes isso em geral é inviável.

c) Não instalar um aparelho de TV na sala de comer. Essa questão já foi abordada no item 5.1, em relação a estatísticas e o excesso de peso. Vejamos outros aspectos. Qualquer pessoa vai concordar que uma refeição deveria sempre ser uma atividade tranquila, agradável e lenta, uma oportunidade para que a família ou parte dela se reúna, tendo uma conversa agradável, trocando impressões e experiências. Imagine-se o que acontece se a TV estiver ligada no recinto das refeições. Em primeiro lugar, não haverá mais conversa entre as pessoas, a não ser que não se preste atenção à imagem que o aparelho está transmitindo e se consiga ignorar o ruído do som (e tudo ficará gravado no inconsciente). Em segundo lugar, imaginem-se os problemas digestivos provocados pelas emoções fortes sendo transmitidas, como violência (cf. capítulo 4) e a tensão entre pessoas de filmes e novelas!

A hora da refeição deveria ser sagrada para a família, uma hora essencialmente familiar. A TV é uma verdadeira intrusa nesse ambiente.

d) Não instalar, de modo algum, um aparelho de TV no quarto das crianças. O relatório da Associação Americana de Pediatria sobre crianças, adolescentes e televisão recomenda explicitamente “Remover aparelhos de TV dos dormitórios das crianças.” (AAP 2001.)

e) Não instalar TV a cabo, pois as tentações serão ainda maiores. Quem quer ter uma TV por que gosta de assistir DVDs, não precisa dos canais da TV a cabo, e a TV aberta é muito pouco atraente.

f) Refeições e ir deitar-se devem ser rituais (ver o item 5.23, onde descrevi como fazíamos com nossos filhos e minhas filhas fazem com nossos netos).

Um artigo de Ledingham, Ledingham e Richardson (1993) contém 12 recomendações aos pais em relação ao hábito de ver TV de seus filhos, principalmente levando em conta os prejuízos causados pelos programas violentos. Nenhuma das recomendações é de cortar a TV das crianças, não ter TV em casa ou usá-la apenas em ocasiões especiais. Vale a pena mencionar que eles citam um estudo de Williams e Hanford (1986), feito no Canadá, examinando o que ocorria com famílias vivendo em uma pequena cidade antes de a TV ser lá introduzida e depois. “As pessoas passaram a despender menos tempo falando, tendo contatos sociais fora de casa, fazendo tarefas caseiras, engajando-se em atividades de lazer como leitura, tricô, escrever, e envolvendo-se em atividades comunitárias e esportes, depois que a televisão ficou disponível. Elas até dormiram menos.” E aposto que, apesar dessa constatação, continuaram a assistir TV. A atração exercida por esse aparelho e seus programas é infernal.

É muito interessante notar que, como esse artigo citado, em nenhuma das outras referências mencionadas aqui sobre problemas causados pela TV, os autores tem coragem de ir às últimas consequências, recomendando que se desligue a TV e ponto final. Esse é justamente o caso do relatório da AAP citado em (d) acima: “Limitar o tempo total de uso de TV (em programas de entretenimento) a não mais do que 1 a 2 horas de programas de [boa] qualidade por dia.” (AAP 2001.) Como já escrevi no item 5.17, se limitar a 1 ou 2 horas é bom, eliminar completamente é muito melhor! Além disso, quero ver quantos pais escolhem para seus filhos “programas de [boa] qualidade”. Aliás, eles são raríssimos, pois, como escrevi em 4, programas com conteúdo educacional seriam monótonos demais, fazendo o telespectador mudar de canal ou passar do estado normal de sonolência para o de sono profundo. Há muitos anos, o primeiro governo socialista da França, se não me engano de François Miterrand, tentou mudar a programação da TV (é possível que naquela época a TV francesa fosse só estatal) para que fosse exclusivamente cultural. Lembro-me que o jornal France Soir fez uma enquete, e a grande maioria dos telespectadores protestou. Uma senhora, entrevistada, afirmou algo como: “Para o inferno a cultura! Existem outros meios de divulgar a cultura. TV é para lazer!” Não, ela estava enganada: o lazer devia ser construtivo, e a TV é essencialmente destrutiva. Mas estava correta quanto ao fato de a TV não ser um veículo de cultura.

É comum ouvir-se o argumento de que restringir o uso da TV por crianças e adolescentes é introduzir a censura no lar. Acontece que não se deve confundir censura para adultos com censura para crianças e adolescentes. Esta sempre existiu e deverá existir. Por exemplo, se os pais reconhecerem comigo que revistas em quadrinhos são péssimas para crianças e adolescentes (pois apresentam sempre uma caricatura do mundo), elas não deveriam existir no lar – o que é uma censura.

g) Como a TV induz consumismo, os pais não deveriam comprar tudo o que os filhos pedem, como vimos no item 5.18. Pelo contrário, só deveriam comprar algo se necessário e, se for um presente, somente em ocasiões especiais.

8.2 O que fazer com a TV na escola

Os leitores que até aqui acharam-me extremamente radical (apesar de a educação sempre ter sido radical, conforme discorri no fim do item 6.1) irão surpreender-se. Acho que há lugar para a TV na escola. Se um professor acha importante mostrar ilustrações do que está ensinando, por exemplo em geografia, usar um DVD para mostrar um vídeo no aparelho de TV é muito mais rico do que simplesmente projetar diapositivos ou mostrar livros. Só que é necessário levar em conta as características do aparelho de TV e o estado normal de sonolência do telespectador. Assim, o vídeo deve ser mostrado em períodos de tempo muito curtos, de poucos minutos. Após esse período, deve ser desligado, o professor deve discutir com os alunos o que eles viram, talvez pedir-lhes que façam um relatório do que viram (se for na Pedagiga Waldorf, certamente com desenhos) e depois disso passar novamente o trecho visto. Novamente uma discussão e, então, mostrar mais um trecho. Dessa maneira o que é assistido é absorvido pelo consciente, criando-se um ritmo de contração (assistir) e expansão (discutir, escrever, desenhar), conforme o que expus em 6.1. Penso que o uso da TV para ilustração poderia ser feito para adolescentes a partir de 13 anos; antes, despertar a imaginação é muito mais importante.

Quando surgiu o rádio, houve nos EUA uma grande agitação, com a previsão de que ele iria mudar o ensino, que seria em parte feito pelo rádio. Isso não funcionou. Quando veio a TV houve uma onda análoga, de que ela iria revolucionar o ensino. Isso não funcionou. A TV jamais funcionou na escola por que os professores não conhecem as características do aparelho e do estado do telespectador. Alunos adoram aulas em salas de audiovisual, pois durante o tempo (longo) de transmissão podem dormir à vontade, compensando a noite anterior em que ficaram acordados vendo TV, jogando video games ou usando a Internet…

Qualquer uso da TV na escola antes da idade que propus acima, cerca de 13 anos, deve ser evitada. Em particular, fico extremamente chocado em ver várias creches mantendo TVs ligadas o tempo todo (se fosse por pouco tempo ainda seria chocante, mas um pouco menos). Os responsáveis certamente não estão cientes do crime que estão cometendo com as crianças. Se os pais querem garantidamente evitá-lo, procurem uma creche que segue a Pedagogia Waldorf.

As escolas deveriam ter um grande papel na diminuição do tempo perdido em ver TV ou mesmo contribuir para a eliminação dela, conscientizando os alunos, talvez a partir dos 14 anos, e também seus pais, dos males que ela causa. Jacques Brodeur, que organizou o movimento Edupax no Canadá, contra o uso de meios eletrônicos, desenvolveu um programa para escolas que denominou de ‘Desafio de 10 dias’ (10-day Challenge), descrito no site de sua organização, Edupax (ativar no menu à esquerda a opção “10-day challenge”). Escolas organizam atividades durante um período de 10 dias, em que os alunos e pais desligam a TV e não usam video games. Formulários são distribuídos aos alunos, para que anotem os períodos em que a família não consegue ficar sem usar os aparelhos. Entre as atividades, são organizadas palestras e discussões para alunos e pais. O resultado tem sido excelente, como mostrado pelos relatórios que Brodeur produz. Uma das consequências desse programa é a conscientização de alunos e pais sobre os problemas dos meios eletrônicos, redundando na diminuição do seu uso. Curiosamente, a TV dá ampla cobertura a esse programa – afinal, ela adora coisas que saiam do padrão. Já propus a realização desse programa a várias escolas no Brasil, infelizmente sem nenhum sucesso.

9. Conclusões

Como citei, a educação sempre foi radical, evitando qualquer coisa que faça mal às crianças. Não existe meio termo: se algo é prejudicial ou perigoso às crianças ou adolescentes, deve ser evitado. A grande diferença entre eu e a quase totalidade de pais e educadores é que estou ciente dos males causados pela TV, principalmente com crianças e adolescentes. Espero que este trabalho sirva para conscientizar pais e professores desses males. Fiz questão de mostrar resultados de muitas pesquisas, e opinião de outros autores, para mostrar que minhas idéias não só não são malucas, mas corroboradas por pesquisas científicas e por opiniões de outros autores. Não estou totalmente sozinho, se bem que muitas vezes me sinto clamando no deserto.

Verificando o que a educação deveria ser, e o que a TV faz com crianças e adolescentes, pode-se verificar que a atuação dela é literalmente a antítese da educação. Por isso, o título deste artigo é plenamente justificado. Em outras palavras, a TV prejudica totalmente a educação.

A grande ênfase de minhas considerações é o estado de sonolência provocado normalmente pelo aparelho nos telespectadores. A partir desse fato tirei a maior parte das minhas conclusões contra o aparelho. No entanto, antes de ter conhecimento desse efeito, o que se deu em 1979 ao ler o excelente livro de Jerry Mander (1978), eu já era contra a TV (dava palestras contra ela desde 1972), e não a tive em minha casa, desde que casei em 1965 até que minha filha mais nova tornou-se adulta. Aliás, eu e minha esposa estamos seguros de que não ter TV foi o melhor presente que pudemos dar a nossos 4 filhos. Jamais ela fez falta a eles em nossa casa, pois eles nasceram e cresceram sem ela. Além disso, eu e minha esposa estávamos tão seguros de nossa posição, que essa segurança irradiava para nossos filhos e eles não pediam para comprarmos um aparelho. Tivemos um pouco de problemas com nossa filha mais velha, quando esta entrou na puberdade. Ela não gostava de ser diferente das outras coleguinhas da classe, que ficavam falando das novelas. Hoje em dia, isso não é mais problema, pois os resumos das telenovelas são publicados, e as crianças podem lê-los, podendo então conversar sobre elas com os amigos. No caso de minha filha mais velha, eu e minha esposa pusemos em uma balança virtual (está na moda hoje…), em um prato os males que a TV produz nas crianças, e no outro prato o problema social que estávamos criando para nossa filha. Pois o ‘peso’ do prato dos males preponderou de tal modo sobre os eventuais problemas sociais, que nunca tivemos dúvida que era muito melhor para nossos filhos não ter o aparelho.

Hoje em dia a situação de um lado melhorou, de outro piorou. Melhorou pois a TV tornou-se um veículo tão estúpido, com tanta baixaria, grosseria, violência e erotismo, que muitas pessoas começam a perceber que há algo profundamente errado em seu uso por crianças e adolescentes. Por outro lado, a situação para crianças e adolescentes piorou muito com o advento dos video games, dos computadores e da Internet. Já escrevi sobre eles em outros artigos (Setzer 2005, e artigos em meu site), de modo que vou aqui chamar a atenção apenas para alguns aspectos fundamentais. Os video games, principalmente os violentos, são muitíssimo piores do que a TV pois esta condiciona apenas pela imagem (o som tem uma influência relativamente muito pequena), e os games pela imagem e pela ação, principalmente a de matar. Há jogos, como os de estratégia, que não são violentos; nesse caso, o mal não é tão grande, mas eles são assim mesmo ruins pois forçam um raciocínio lógico formal, o que é prejudicial para crianças e adolescentes. Além disso, sempre seguem um modelo matemático de simulação, dando uma visão simplista e deturpada da realidade. O computador força um raciocíonio lógico-simbólico inapropriado antes do ensino médio; forçando-se a criança e o adolescente a pensar de maneira inadequada para seu desenvolvimento mental, prejudica-se todo o seu desenvolvimento – essa parece-me a razão de que, quanto mais um aluno usa um computador, em geral pior é o seu rendimento escolar. A Internet requer muita maturidade e autocontrole, pois apresenta um universo de coisas boas e ruins, além de ser muito perigos para crianças e adolescentes. Para maiores detalhes sobre os efeitos negativos de video games, computadores e Internet na educação, ver meu artigo a respeito (Setzer 2008a).

Pelo estado de semiconsciência e o abafamento do pensamento consciente provocado pela TV, pode-se dizer que esta animaliza o ser humano. Completando com os outros meios eletrônicos, os video games por um lado animalizam (pois o jogador, nos jogos de ação/reação, que incluem os violentos – de longe os mais jogados –, não pode parar para pensar, isto é, prever as consequências de seus atos, como é justamente o caso dos animais; pensamento consciente dos seres humanos é muito lento), e por outro lado mecanizam, fazendo o jogador transformar-se em uma máquina de reagir automaticamente a impulsos visuais da tela fazendo pequenos movimentos mecânicos com os dedos. Por seu lado, o computador mecaniza o pensamento, pois o usuário é obrigado a pensar de tal modo que seus pensamentos possam ser introduzidos dentro da máquina sob forma de comandos e corretamente interpretados por ela, forçando o que denominei de ‘pensamento maquinal’.

Como afirmei no capítulo Introdução, pelo menos metade da humanidade assiste TV todos os dias. Metade da humanidade é diariamente colocada em estado de sonolência e é bestificada pelo aparelho e pelos programas transmitidos. Assim, parece-me que a TV foi a maior tragédia que já ocorreu para a humanidade. Todas as pessoas podem ser contra armas e guerras, pois veem a destruição e sofrimentos que elas causam. No entanto, pouquíssima gente está vendo os problemas de saúde e sociais, bem como a destruição da vontade, dos sentimentos e do pensamento, que a TV provoca, pois os resultados não são imediatos, e muitos são psicológicos ou psíquicos, invisíveis fisicamente.

Existe um verdadeiro ataque da TV no sentido de destruir a humanidade. Esse ataque vai ser cada vez pior. Veja-se a introdução recente de canais transmitindo especificamente para bebês entre zero e dois anos, como é o caso do horroroso canal Baby TV. Assisti um vídeo contendo programas desse canal. Fiquei chocadíssimo com o que vi. Como sempre, figuras grotescas, nada artísticas, balbuciando em lugar de falar, como eu tinha ouvido dizer do programa Teletubies. Justamente bebês devem ouvir muito a fala correta, para desenvolverem-na; pais jamais deveriam imitar a fala dos bebês com seus filhos bem pequenos – não é isso que eles devem aprender! Não bastava o ataque da TV a crianças, adolescentes e adultos, até os bebês estão agora sendo atacados. O que preciso fazer para conscientizar os pais que eles estão cometendo um verdadeiro crime com seus nenês, ao colocarem-nos para assistir esses programas?

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Vínculos citados

Item 5.1

Item 5.2

Item 5.14

Item 5.17

Item 5.18

Item 6.1

Item 6.3

Apêndice – orações para crianças pequenas

Introduzi este apêndice pois algumas pessoas escreveram-me que ficaram muito tocadas, na minha entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura de 1/12/08, com a descrição que fiz da cerimônia que fazíamos para deitar nossos filhos quando eram pequenos, e que é repetida pelas minhas filhas com meus netinhos (ver no item 5.23 detalhes do cerimonial para ir dormir).

As orações seguintes deveriam ser faladas com voz bem pausada e séria, pensando-se profundamente no significado das palavras. Acrescentei os sons das versões cantadas, que são preferíveis; assim, os leitores podem aprendê-las para cantarem com suas crianças.

Oração para antes da refeição
Christian Morgenstern
Original
Tradução (ouvir como canção*)
Erde die uns dies’ gebracht
Sonne die es Reif gemacht
Liebe Sonne, liebe Erde,
Euer nie vergessen werden
Terra que estes frutos deu
Sol que os amadureceu
Nobre Sol, nobre Terra,
Jamais os esqueceremos
(*) Formato WAV, 245 KB.

Oração para a hora de adormecer
Rudolf Steiner

Von Kopf bis zum Fuss
Bin ich Gottes Bild,
Von Herzen bis in die Hände
Spur’ ich Gottes Hauch.
Spreche ich mit dem Munde
Folge ich Gottes Willen.
Wenn ich Gott erblicke
All, über all,
In Vater und in der Mutter
In allen lieben Menschen
In Tier und Blume
Im Baum und Stein
Gibt Furcht mir nichts
Nur Liebe
Zum alles was um mich ist.
Da cabeça aos pés
Sou a imagem de Deus,
Do coração às mãos
Sinto o sopro de Deus.
Falo com a boca
Sigo a vontade de Deus.
Quando Deus eu avisto
Em toda parte
No pai e na mãe
Em todas as pessoas queridas
No animal e na flor
Na árvore e na pedra
Não sinto medo de nada
Só amor
Por tudo o que está ao meu redor.

 

Canção de ninar
Autor ainda desconhecido
Original

Tradução literal

Como canção (ouvir**)
Schutzengel mein
Behüt mich fein
Tag und Nacht
Früh und spät
Bis meine Seele
Zum Himmel eingeht
Schutzengel mein
Behüt mich fein
Meu anjo da guarda
Proteja-me bem
Dia e noite
Cedo e tarde
Até minha alma
No céu adentrar
Meu anjo da guarda
Proteja-me bem
Anjinho meu
Proteja-me
Dia e noite
Cedo e tarde
Até minha alma
No céu penetrar
Anjinho meu
Proteja-me
(**) Formato WAV, 393 KB

Autor: Valdemar Setzer

Fonte: https://www.ime.usp.br/~vwsetzer/tv-antieducativa.html 

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